sábado, 25 de dezembro de 2010

O Senhor das Moscas

Lord of the flies



















Realizador: Harry Hook

Actores: Chris Furrh; Paul Getty

Música: Philippe Sarde

Duração: 91 min.

Ano: 1990

Um filme inspirado no livro ” O senhor das moscas”, com o qual o seu autor, William Golding, ganhou o prémio Nobel da literatura.

Um grupo de estudantes entre os 9 e os 15 anos de idade sofre um desastre de avião e cai numa ilha deserta. Pertenciam a uma academia militar, pelo que o comandante do grupo assume a liderança. No início a alegria é a nota dominante. Não há aulas, não há adultos… só há férias! Como se trata de uma ilha tropical, sentem-se no paraíso. No entanto, é preciso lutar pela sobrevivência para conseguir alimentos, para se protegerem das condições climatéricas e para avisar os possíveis socorristas de que estão vivos… Dividem-se tarefas, estabelecem-se objectivos, mas nem todos os elementos do grupo possuem a mesma motivação. Alguns não estão dispostos a aceitar as regras do jogo, mesmo que o que esteja em causa seja a sobrevivência… Um dos rapazes propõe que se dediquem apenas à caça e às brincadeiras, apresentando aos seus companheiros soluções facéis e de satisfação imediata. Recusa participar nos trabalhos rotineiros que caberiam a todos os estudantes. Desfaz-se a união entre os colegas e alguns seguem o rebelde. Com o desenrolar da história, o comandante do grupo cada vez se vai sentindo mais isolado, mas não cede nas suas convicções e no que ele considera mais adequado para o bem de todos. Mantém a sua estratégia, a única correcta a longo prazo. Mas a sua firmeza é insuportável para os insubmissos que, numa explosão de ódio, tentam matá-lo, depois de já terem morto um dos poucos colegas que o apoiava. É um homem só, o único que não se juntou aos do “outro grupo”. No momento em que está quase a ser apanhado, chegam uns helicópteros salvadores, colocando um ponto final à história, que fica em aberto… a conclusão tem de ser tirada por todos os espectadores do filme ou leitores do livro.

Estamos perante um filme cru e forte sobre a natureza humana, marcado por uma extraordinária banda sonora, que cria e dissolve estados de alma e envolve emocionalmente toda a realidade que nos é dada observar.

Tópicos de análise:

1. A capacidade de liderança.

2. Como motivar as pessoas.

3. As relações humanas dentro de um grupo.

4. Um conjunto mínimo de regras torna mais eficaz o trabalho de todos.

5. A cobardia em aceitar falsas propostas, só para não se ficar isolado.

6. A importância de manter a estratégia correcta, apesar de impopular.

7. Ceder no essencial uma vez, é ceder para sempre.

Encontra aqui uma curta apresentação de algumas dezenas de filmes, contendo os dados principais de cada um deles, um resumo e alguns tópicos de análise. Não se trata de filmes aconselhados por nós, mas apenas de algumas ideias que podem ajudar a escolher um filme ou a tirar partido dele do ponto de vista educativo.

Colaboração de Paulo Martins, Mestre em História e doutorando em Cinema.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

LUÍS XVI


















Por Daniel Fresnot

Luís XVI foi um chaveiro amador, tímido, míope, por demais influenciável e irresoluto, Eu poderia começar com esta frase o retrato do rei, mas estaria enganando o leitor, mesmo sendo verdade que o seu passatempo favorito era desmontar fechaduras, Ao privilegiar esta descrição estaria induzindo ao erro e a caricatura. Luís de XVI foi na verdade um rei bem-intencionado e mal-aconselhado.
Casou aos 16 anos com Maria Antonieta e recebeu a coroa com 20 anos em 1774. Imediatamente atende aos anseios dos reformadores e quase desmente a frase atribuída a seu recém-falecido avô Luís XV: Depois de mim, o dilúvio! "O jovem rei chama um ministro que quer abolir privilégios e servidões: Turgot, homem íntegro e competente e, fato pouco conhecido, um precursor de Ricardo e da ciência econômica liberal moderna, Mas Turgot está mexendo com algumas mordomias da corte, os nobres conservadores e o partido clerical.
Intrigam para que ele perca a confiança do rei. E conseguem; Luís dispensa Turgot com menos de dois anos no ministério. A corte não sabe que ao recusar o anel vai perder o dedo ou a cabeça.
O rei da França nomeia outro ministro de progresso, o banqueiro protestante Necker, homem muito popular junto ao que chamaríamos hoje de sociedade civil. Necker também quer reformas, embora mais tímidas que as de Turgot e esbarra na facção reacionária da corte de Versalhes. Ao demitir Necker (1781), o rei perde o apoio daqueles que mantinham esperanças em mudanças vindas de cima.
Os ministros seguintes, Calonne e por fim Brienne, não têm a estatura dos primeiros nem incomodam a corte com seus gastos e regalias faraônicos. No entanto, Luís XVI tomou antes de 1789 medidas humanistas como a abolição da tortura e plenos direitos civis aos protestantes, Também realçou o prestígio externo da França com a ajuda militar aos revolucionários norte-americanos. A Inglaterra foi derrotada na terra e no mar e alguns nobres chegaram a brincar de dar nomes franceses às ruas de Londres, que seria facilmente tomada, Mas no governo de Brienne aparece a dura realidade: não há mais dinheiro nos cofres reais, somente dívidas.
Já disseram que a Revolução Francesa foi a vitória da nobreza de toga sobre a nobreza de espada e isto é fato pelo menos no início. Os advogados, magistrados, membros dos parlamentos municipais estão em conflito aberto com o poder do monarca.
Para obter mais impostos e desarmar o descontentamento, Luís XVI chama de volta Necker (1788) e promete convocar os famosos Estados Gerais, uma medida que a monarquia francesa não tomava há dois séculos. Os Estados Gerais são a reunião das três ordens ou Estados (hoje diríamos classes) da sociedade desde a Idade Média: o nobre que luta, o clero que reza e o camponês (Terceiro Estado) que trabalha. Luís XVI reconquista a popularidade decretando que o Terceiro Estado terá tantos representantes (400) quanto o clero e a nobreza juntos, Mas não sabe aproveitar a situação para orientar as eleições e nem propor aos deputados algum programa de reformas.
Em 1789, com a reunião dos Estados Gerais começa a Revolução Francesa e Luís XVI fica logo ultrapassado pela importância dos eventos. Quer esvaziar os Estados Gerais pela falta de assunto e medidas a tomar, mas é tarde demais, os deputados já tomaram consciência de sua força e se autoproclamam Assembléia Nacional e logo depois Constituinte. Necker é demitido numa inútil provocação aos parisienses que tomam a Bastilha e descobrem 50 mil fuzis no prédio dos Inválidos, Apesar das jornadas "revolucionárias, o rei ainda é popular em Paris, mas ele vai de maneira quase constante prejudicar ou embaraçar seus partidários e favorecer seus inimigos mais radicais. Um punhado de nobres ligados à rainha vai levá-lo a querer adotar a política do pior.
O rei recusa assinar a Declaração dos Direitos do Homem e demais medidas da Assembléia. Uma multidão de parisienses revoltados o traz semiprisioneiro de Versalhes a Paris em outubro de 1789. Entretanto, Luís ainda tem muitos trunfos: a grande maioria dos revolucionários quer manter a monarquia como poder moderador. Mirabeau e La Fayette são seus aliados. No primeiro aniversário do dia 14 de julho, o rei jura fidelidade à nova Constituição e é aclamado pelos parisienses e pelos guardas nacionais enviados para a cerimônia de todos os cantos da França. Luís cometeu o erro de não se conformar com a monarquia constitucional e a sua consciência parece ter sido perturbada pela questão do juramento civil que a Revolução exige dos padres. A sua esperança agora é a repressão de seu próprio povo pelos reis estrangeiros. Ele vai tentar fugir até os exércitos monarquistas franceses e austríacos para voltar com eles ao poder: é a desastrada fuga de Varennes (junho de 1791), quando um taberneiro e um empregado dos correios reconhecem e prendem o rei da França. Luís XVI perdeu definitivamente sua popularidade. Mas ainda é rei. Muitos membros da Assembléia querem manter o monarca como símbolo e contra as tendências igualitárias mais radicais. E mais uma vez o rei vai conspirar contra seus próprios interesses.
Ele propõe à Assembléia a declaraçã de guerra á Áustria (abril de 1792) com a esperança de ver os revolucionários derrotados. A Prússia se junta à Àustria e a guerra começa como o previsto, com derrotas para os franceses. Mas a história muda em Valmy, a grande vitória da liberdade sobre a qual profetiza Goethe: "Hoje começa uma nova época para o mundo".E o rei dos franceses já é considerado um traidor, o cúmplice dos inimigos da Pátria, destituído e prisioneiro em Paris.
A Assembléia Legislativa dá lugar à Convenção mais radical que julga o cidadão Luís Capeto e o condena à morte por uma estreita maioria. Luís impressionou pela dignidade e coragem, mas não convenceu ao negar as acusações sistematicamente. Até o último camponês dos confins da Rússia ficará sabendo: os franceses guilhotinaram o seu rei. A monarquia baseada na vontade divina tem os dias contados, vai prevalecer a vontade popular.


DANIEL FRESNOT é doutor em letras pela Sobornne. No Brasil, onde reside, iniciou uma dupla carreira de industrial e escritor. É autor do romance "A Terceira Expedição"

Este texto pertence à edição comemorativa dos 200 anos da Revolução Francesa, publicado pela Revista Isto É, em 1989

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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

As representações de Cristo





















Andrea Mantegna- The Lamentation over the Dead Christ -1490



A representação de Cristo foi transformada ao longo da História.



A representação de Cristo é um tema polêmico que, desde o século XVIII, desperta a curiosidade de vários pesquisadores e religiosos. Na verdade, essa polêmica remonta a sociedade onde o próprio Cristo nasceu. Os judeus, preservando os ideais de sua prática religiosa e condenando a idolatria dos estrangeiros, proibia a produção de retratos. Dessa forma, a missão de revelar as feições do líder religioso ficou a cargo de diversos pintores e escultores que se lançaram a essa mesma missão.

Um dos mais antigos relatos sobre a representação de Jesus foi constatado em uma narrativa mítica do século VI, referente ao Sudário de Verônica. Segundo o mito, Abgar, rei de Edessa (atual Síria), enviou um artista para que o mesmo pudesse produzir um retrato de Cristo. Ao encontrar o líder religioso, o artista enviado não conseguiu cumprir sua missão, pois o rosto de Cristo emanava uma intensa luz. Com isso, Jesus teria usado uma toalha que ficou marcada pelos traços de seu rosto.

No entanto, a primeira representação historicamente comprovada foi encontrada em uma parede do Pedagogium, a antiga escola da guarda imperial. Neste desenho, criado por volta do século III, há a representação de um homem com cabeça de asno crucificado, enquanto um grego lhe presta adoração. A imagem depreciativa, provavelmente seria de autoria de algum soldado romano não muito convencido do caráter divino do Messias.

Sendo a idolatria a imagens igualmente refutada pelos cristãos primitivos, muitos subvertiam a ordem com a criação de diversos símbolos que remetiam a Cristo Jesus. Entre diversos símbolos podemos destacar a cruz, as iniciais de seu nome e a âncora. Havia também um acróstico produzido a partir da fase “Iesus KHristos Theou Uios Soter” (Jesus Cristo Filho de Salvador), onde suas iniciais formavam a palavra peixe, animal até hoje associado ao Cristianismo.

No entanto, a refutação a uma representação humana de Cristo logo passou a ser praticada pelos cristãos, a partir do século III. Utilizadas como grande meio de divulgação e conversão religiosa, as imagens de Cristo passaram a contar com uma diversa gama de situações encenadas. Uma das representações mais comuns coloca Cristo em meio aos animais, fazendo alusão à idéia do poder que o Messias teria de liderar os cristãos e converter os homens.

Em outras imagens mais poderosas, percebemos uma tentativa de valorização da dimensão sobrenatural de Cristo. Nesse tipo de representação temos a ação do Messias durante os julgamentos do Juízo Final, onde estaria separando os bons e os maus. Em outras representações com temática semelhante, Cristo aparece realizando milagres por meio de uma varinha que leva nas mãos. Outro tipo ainda alude à pregação religiosa mostrando um Cristo jovem palestrando aos seus seguidores.

Todas essas representações de um Cristo imperioso e ativo perdem espaço ao longo da Idade Média. A partir da Baixa Idade Média temos várias representações em que Jesus sofre com os suplícios de seu processo de crucificação. De fato, a imagem predominante de Jesus Cristo tem um rosto de traços suaves, pele clara, olhos claros, barba fina e cabelos ondulados. Essa representação surgiu no tempo das Cruzadas, época em que os não-brancos representavam os pagãos.

Em um recente estudo desenvolvido pela Universidade de Manchester, tendo como base o crânio de um judeu do século I, houve a tentativa de se formular um desenho aproximado do Cristo naquela época. Por meio de avançados recursos de computação gráfica chegaram à conclusão de que Jesus, provavelmente, teria um rosto arredondado, cabelos negros, pele amorenada e uma braba grossa.

Fonte: História do mundo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Foucault: o historiador dos pensamentos

Em suas arqueologias, o intelectual francês questionou conceitos antes pouco explorados como loucura, sexualidade e punição, e mostrou que, muitas vezes, o certo é apenas uma convenção disciplinar

















MICHEL FOUCAULT (1926 – 1984) Ocupou a cadeira do Collège de France de 1970 até sua morte. Sua obra é associada com diversos sistemas do século XX, como estruturalismo, pós estruturalismo e pós-modernismo. Ao revolucionar e questionar as noções de sujeito, sexualidade e poder, o francês se tornou um dos pensadores mais conhecidos do séc. XX

Todos sabem que, na França, há poucos lógicos, mas que houve um número razoável de historiadores das ciências. Sabe-se também que eles ocuparam na instituição filosófica – ensino ou pesquisa – um lugar considerável.” Com esta bela fórmula Foucault inicia o último texto que publicou em vida, nomeado de A Vida: a experiência e a ciência (1984). Ela apresenta e contextualiza aquilo que para ele representava as duas maiores tradições do pensamento filosófico francês durante a primeira metade do século XX. A filosofia do sujeito, personificada pelo existencialismo francês e a filosofia do saber, representada por uma epistemologia histórica. Mas talvez a maior beleza contida na fórmula acima é que ela nos mostra como Foucault se via no cenário pintado por ele mesmo. Foucault era natural da cidade de Poitiers, Sudoeste da França, famosa porque em sua proximidade ocorreram três das mais importantes batalhas da história da França: sendo a de 19 de setembro de 1356 , durante a Guerra dos Cem Anos, a mais famosa. Ele se refere sobre sua cidade natal num cartão postal de 1981 do seguinte modo: “Assim é a cidade em que nasci: santos decapitados, o livro na mão, cuidam para que a justiça seja justa, os castelos sejam fortes... Eis o berço de minha sabedoria”. Batizado Paul-Michel, nasceu em 15 de outubro de 1926. Era o segundo filho de Paul-André Foucault e de Anne-Marie Malapert. Sua irmã, mais velha, chamava-se Francine, e o caçula da família, Denys.

Didier Éribon, autor da biografia oficial e, provavelmente ainda a mais confiável sobre Michel Foucault, é enfático sobre dois traços bastante marcantes da família do francês: o nome Paul, que atravessa pelo menos três gerações seguidas; e a profissão, uma família de médicos, por parte de pai e mãe, que deveria também ser trilhada por Paul-Michel. Duas tradições, aliás, que Foucault se encarregara de quebrar. Nos documentos oficiais e nos registros escolares, ele se chama Paul. Para sua mãe e familiares, era Paul- Michel. Mas para ele mesmo e para todos nós que nos encantamos ou nos inquietamos com seu pensamento, é somente Michel Foucault.


Em História da loucura na idade clássica (1961), Foucault argumenta que, durante a idade média, os loucos haviam ocupado o lugar de excluídos da sociedade, antes reservado aos leprosos. Para ele, a clínica psiquiátrica moderna ainda mantinha uma padrão de brutalidade ao obrigar os insanos a internalizar os mecanismos de punição

UM HISTORIADOR DAS RACIONALIDADES

Mas quem foi Michel Foucault? Um filósofo, um historiador? Independente e mesmo antes de todas e quaisquer categorias a que poderíamos recorrer para “classificá-lo”, ele foi um pensador. Autor de uma vasta obra, composta de praticamente uma dezena de livros, inúmeros artigos, conferências, palestras, prefácios e posfácios, sem falar nas entrevistas e cursos; dotado de uma formidável curiosidade intelectual, seus textos versam sobre uma gama bastante variada e ampla de assuntos: loucura, medicina clínica, a formação das ciências humanas, as práticas punitivas e de vigilância, sexualidade, práticas morais e subjetividade, e tantos outros temas “menores” que nos lançam à dificuldade radicalizada ao tentarmos definir sob quais registros, em que disciplina classificar seu pensamento. A variedade de temas em Foucault é tão grande que a edição brasileira de seus Ditos e Escritos, organizada tematicamente (e não cronologicamente como a edição francesa), é apresentada em cinco grandes conjuntos de temas: problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise (vol. I); arqueologia das ciências e histórica dos sistemas de pensamento (vol. II); estética: literatura e pintura, música e cinema (vol. III); estratégia, poder-saber (vol. IV); e ética, sexualidade, política (vol. V).Contudo, a filosofia e a história são essenciais no pensamento de Michel Foucault; um filósofo que adotou a história como um estilo de escrita e de reflexão; ou ainda um historiador peculiar, ao levantar e trazer ao terreno da historiografia questões caras à filosofia. Enfim, como ele gostava de definir, seus trabalhos são “fragmentos de filosofia no canteiro da história”.

Na fórmula do início desse texto, Foucault deixa claro suas vinculações teóricas com a tradição da epistemologia historiográfica, que tem nas figuras de Gaston Bachelard (1884-1962), Alexandre Koyré (1882/1892-1964), Georges Canguilhem (1904- 1995) e Jean Cavaillès (1903-1944) seus grandes representantes. A tese principal desses teóricos, chamada de racionalismo regional, é de que a razão não existe, o que existe são racionalidades. Quer dizer, cada ciência, cada teoria científica é constituída de seu próprio aparato racional, não necessariamente dependente de algo externo (uma outra ciência ou uma outra teoria, por exemplo); embora possa herdar desse “algo” externo elementos fundamentais para a sua constituição teórica. Assim, investigar a racionalidade de uma ciência ou de uma teoria científica consiste num estudo dessa ciência ou dessa teoria em seu próprio exercício efetivo na história. Como bem observa Georges Canguilhem,

"O objeto do discurso histórico é, com efeito, a historicidade do discurso científico, enquanto essa historicidade representa a efetuação de um projeto interiormente submetido a normas, mas atravessada por acidentes, atrasada ou desviada por obstáculos, interrompida por crises, isto é, por momentos de julgamento e de verdade. [...] Portanto, a história das ciências [...] não se relaciona somente com um grupo de ciências sem coesão intrínseca, mas também com a não-ciência, com a ideologia, com a prática política e social.”

O JOVEM EM BUSCA DA LOUCURA

Entre os anos de 1955 e 1958, o jovem Paul-Michel reside em Uppsala, famosa por ser uma cidade eminentemente universitária, situada a 70 km ao norte de Estocolmo, na Suécia. A convite de Georges Dumézil – eminente mitólogo e historiador das religiões indo-européias – a quem Foucault sempre reconheceu dever intel ectualmente, trabalha aí como diretor da Maison de France e como leitor de francês. Logo após se instalar em Uppsala, descobre a Carolina Rediviva – a imponente biblioteca daquela universidade. A partir dos arquivos sobre a história da medicina, do século XVI ao começo do XX que Foucault se debruça a fim de coletar a base material para o que viria a ser sua tese de doutorado; mais conhecida por seus leitores como História da Loucura, escrita “ao longo da noite sueca”, como dizia em seu prefácio para a primeira edição, escrito em fevereiro de 1960, em Hamburgo.

A novidade de Foucault consiste na recusa
metódica de qualquer linearidade temporal da história

Desejoso de defender seu livro sobre a loucura como tese de doutorado, Foucault volta à Paris em busca de um relator. Sua primeira opção é Jean Hypollite, seu ex-professor na École Normale Supérieure. Mas este recomenda alguém mais afeito às questões e ao tema “médico-psiquiátrico” do livro: o epistemólogo Georges Canguilhem. Foucault, apesar de um tanto receoso quanto à indicação – pois não tivera até então muito sucesso nas ocasiões em que se deparou com este homem de temperamento forte e explosivo – vai ao seu encontro. Explica-lhe o que pretendeu fazer. Canguilhem apenas escuta e bruscamente confirma os temores do pupilo respondendo (segundo o biógrafo de Foucault, Daniel Defert): “Se isso fosse verdade, a gente saberia”. Mesmo assim, lê o manuscrito de quase mil páginas e sem hesitar aceita ser o relator da tese de Foucault. Trinta anos após esse livro, Canguilhem afirmaria “... se há em meu trabalho universitário um momento com que me sinta feliz, ainda hoje, e de que possa me envaidecer comigo mesmo foi o de ter sido relator da tese de doutorado de Michel Foucault. [...] para mim, 1961 continua e continuará sendo o ano em que se descobriu um verdadeiro grande filósofo.”

E do que trata História da Loucura? Basicamente, pode-se dizer que sua meta consistiu em evidenciar as condições históricas, sociais, culturais, institucionais, morais, religiosas, jurídicas e científicas que possibilitaram a organização, o aparecimento e formação de toda uma gama de discursos, variados e distintos entre si, mas que se iniciam com o mesmo prefixo, “psi”. A estratégia consistia em mostrar como se formou a idéia de doença mental, objeto fundamental desses saberes de pretensão científica, a partir da “análise da percepção da loucura”. Desse modo era evidenciado o quanto de histórico há sobre um fato tomado como natural, ou seja, a loucura como fato patológico. É neste livro que ele se utiliza pela primeira vez do termo arqueologia. Uma arqueologia do silêncio.


Entre maio e junho de 1984, Foucault publica os volumes 2 e 3 de sua História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres e O Cuidado de Si. E promete aos mais próximos que o quarto e último livro, As Confissões da Carne estará concluído em mais um ou dois meses. Promessa que não será cumprida. É um Foucault cansado e abatido, vitimado pela AIDS, que promete. Já não há mais tempo.

No dia 3 de junho, Foucault passa mal e desmaia em seu apartamento. É levado para uma clínica por seu irmão, Denys. No dia 9 é transferido para o Hospital de Salpêtrière, sobre o qual discorreu longamente em História da Loucura, sendo no dia seguinte transferido para unidade de terapia intensiva. No dia 20, ele tem uma ligeira melhora, e já no quarto recebe seus amigos, se diverte e comenta a recepção de seus dois últimos livros. Mas seu quadro clínico se agrava, e na tarde de 25 de junho de 1984, Michel Foucault falece. A comoção é geral. Em 29 de junho, numa cerimônia reservada, seu corpo é sepultado no cemitério de Vendeuvre-du- Poitou, próximo de Poitiers, sua cidade natal. Na saída do caixão com seu corpo do hospital, diante de uma multidão à espera, uma última homenagem lhe é prestada. Gilles Deleuze, seu amigo de longa data, com a voz embargada de emoção, lê um trecho do prefácio de O Uso dos prazeres, revelador da estirpe de pensador que foi Foucault (e que tomamos aqui como conclusão):

“Quanto ao motivo que me impeliu, era muito simples. Espero que para alguns ele baste por si mesmo. É a curiosidade – a única espécie de curiosidade, em todo o caso, que vale a pena praticar com um pouco de obstinação: não aquela que procura assimilar o que convém conhecer, mas aquela que permite se desligar de si mesmo.

[...] O que é, pois, a filosofia – quero dizer a atividade filosófica – se não é o trabalho crítico do pensamento sobre si mesmo. E se ela não consiste, ao invés de legitimar que já sabemos, em tentar saber como e até que ponto seria possível pensar diferentemente.”

Fonte: leituras da História

Maria Antonieta

A última Rainha da França
Evelyne Lever


















A lembrança mais forte acerca de Maria Antonieta, rainha da França, é que teria sugerido ao povo faminto que comesse brioches, já que não havia pão. E que por conta de desatinos como esse, teve a cabeça decepada pela guilhotina da Revolução Francesa.

Para quem se interessar em conhecer mais a fundo a história da esposa de Luís XVI, vale a pena conferir Maria Antonieta: a última rainha da França. O livro, lançado este ano(2004) pela Editora Objetiva, é fruto de uma exaustiva pesquisa feita pela historiadora Evelyne Lever. Para compor um retrato não apenas da rainha, mas também das questões políticas da Europa no século XVIII, a autora baseou-se em documentos oficiais e cartas de pessoas que compartilharam da intimidade de Maria Antonieta e de sua família, tanto na corte de Viena, onde ela nasceu, quanto na corte francesa.

De tão detalhado, o relato chega a ser um pouco cansativo. O livro conta a história da rainha desde o seu nascimento até a morte. Primeiro, os dias felizes em Viena, com a família, em um estilo de vida muito mais simples do que as inumeráveis exigências de protocolo e etiqueta que precisaria seguir na França. A autora deteve-se em detalhes como as roupas usadas por Maria Antonieta, os pratos que compunham suas refeições e até os diálogos entabulados com as pessoas que lhe eram próximas. Alguns desses detalhes poderiam ter sido suprimidos, bem como uma certa forma de narrativa muito descritiva. Percebe-se, é claro, uma intenção em comprovar os fatos relatados, o que diferencia essa biografia de outras obras mais fantasiosas.

Apesar de não focar exatamente nos aspectos políticos da França e da Europa do século XVIII, é impossível falar de Maria Antonieta sem contextualizar a época em que viveu. A abordagem política fica mais presente quando as atitudes da rainha começam a servir de motivo para as revoltas populares que há muito já se previam. A mistura de egoísmo, arrogância, ingenuidade e futilidade ajudaram a formar uma imagem dela para o povo e seus desafetos que refletia o comportamento da nobreza francesa em geral. Privilégios às pessoas de seu interesse, preocupações com as intrigas da corte, um modo de vida luxuoso e dispendioso e uma completa alienação dos problemas do povo e também das implicações políticas de seus atos, contribuiram para levar a rainha à guilhotina.

Mas o livro não se atém apenas aos defeitos: mostra uma mulher corajosa, de personalidade, prejudicada pela pressão e pela chantagem emocional exercida pela mãe, a rainha da Áustria, mesmo à distância. As atitudes tomadas por Maria Antonieta na corte muitas vezes foram vistas – e apresentadas – como traição. Por conta de sua alienação e do desejo de levar a vida da maneira que lhe interessava e agradava, a rainha não percebia as implicações negativas de seus atos junto ao Rei e aos ministros, quando tentava, em vão, obter posições privilegiadas para as intenções políticas do império austríaco.

Apesar da dificuldade inicial do casamento com Luís XVI, eles tornaram-se um casal unido, inclusive na alienação e na ingenuidade. Enquanto ela se preocupava com os divertimentos e com uma tentativa de viver uma outra vida através da encenação de peças teatrais, na qual era um dos personagens, o rei esquecia-se da vida e dos problemas do país nas caçadas e nas suas oficinas de trabalhos manuais com madeira e ferro. Nenhum dos dois quis ver o quer acontecia a sua volta.

Na verdade, eles não podem ser culpados. Reclusos na vida da corte, tanto Luís quanto Maria Antonieta não foram incentivados a conhecer mais sobre o que acontecia no mundo iluminista, sobre a realidade, sobre os problemas do país. Apesar do esclarecimento da época, a monarquia ainda era vista como algo divino, independente da vontade dos súditos. Por isso a recusa do rei, até o final, em aceitar uma constituição e uma posição menos poderosa nessa nova forma de governo. Por conta dessa teimosia, tanto ele quanto a rainha acabaram sendo acusados e executados como traidores da França.

A imagem de Maria Antonieta, denegrida durante a Revolução Francesa, foi reabilitada após sua morte. Em outro extremo, foi considerada a Rainha Mártir, por seu sofrimento na prisão e na execução. Atualmente, o que a autora de sua biografia propõe é que se veja a rainha nem como uma coisa, nem como outra. Apesar de fútil, egoísta e alienada, ela foi mais o bode expiatório de uma situação da qual apenas fazia parte, mas não poderia ser considerada responsável. Por outro lado, sua coragem e sua lealdade à família fazem dela uma personalidade a ser admirada.

De todas as "lendas" sobre Maria Antonieta, uma parece ser verdadeira: ela teria tido um relacionamento com um nobre sueco, devido à dificuldade em manter uma vida sexual e amorosa normal com o rei. Por outro lado, a história dos brioches não é verdadeira. Teria sido contada por Rousseau, mas referia-se a outra pessoa. Segundo o livro, por mais alienada que fosse, nem Maria Antonieta teria falado uma asneira tão grande.

Por Adriana Baggio
Fonte original: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1445

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Janice e o umbigo

Veronica Stigger



















Janice vivia enamorada de seu umbigo. Não fazia muito tempo que havia dispensado dois gêmeos fortes, másculos e apaixonados para poder ficar sozinha consigo mesma e apreciar – sem uma alma para lhe roubar a paciência e o bom humor – aquele buraquinho perfeitamente bem delineado de sua barriga.



No início, era em frente ao espelho, com uma mão a arriar a calça e a outra a levantar a blusa próxima aos seios, que a moçoila se desmanchava em elogios. Que umbiguinho divino!, gabava-se para si mesma. Que curvas primorosas! Que coisinha mais magnífica! E assim sobrevinham que issos e que aquilos até chegar a noite.



Numa sexta-feira, ao olhar para baixo casualmente, percebeu que poderia enxergar muito mais detalhes de sua obra-prima natural se a admirasse diretamente, sem mediação. Foi o fim do espelho e o início do torcicolo. Janice encurvava-se cada vez mais para aproximar seu rosto do umbigo. Aos poucos, sua coluna foi se transformando num arco. Janice já não era mais capaz de ficar novamente ereta: levava as semanas, os meses, os anos enroscada em si mesma, apaixonada que estava por seu buraquinho.



Numa outra sexta-feira, ao tentar ajeitar suas costas arqueadas, tocou sem querer os lábios em sua barriga. Muitíssimo feliz com a nova possibilidade, repetiu infinitamente o mesmo gesto. Impulsionava o tronco para frente e beijava seu umbigo. Beijava e beijava e ria satisfeita. Dos beijos, passou às lambidas. Gastava horas lavando seu umbigo com cuspe.

Numa terceira sexta-feira, de súbito, prendeu sua língua num buraco aberto pela acidez de sua saliva. Mesmo assustada, Janice amou a novidade. Com o transcorrer dos dias, das semanas, dos anos, o buraco tornou-se gradativamente maior: penetrava nele não só a língua, mas também a boca e o nariz.



Numa derradeira sexta-feira, Janice trancou as orelhas no seu umbigo. Ao invés de tentar tirá-las, introduziu-as ainda mais, arrombando de vez seu buraquinho. De repente, zupt!, foi-se a cabeça de Janice para dentro de sua barriga. Extasiada, forçou ainda mais a passagem. Os ombros entraram com uma certa dificuldade. Depois deles, o buraco se distendeu, facilitando o ingresso do resto de seu corpo. Os braços, o peito, as pernas, os pés submergiram em Janice como água escorrendo pelo ralo. O último a sumir foi o piercing.
Hoje, Janice vive feliz, inteira dentro de seu umbigo.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Arqueólogos descobriram o maior rato que já viveu: e ele pesava cerca de 6 quilos



















Você já imaginou um rato do tamanho de um gato? Foi precisamente isso que arqueólogos encontraram em uma caverna no leste da Indonésia.

As escavações revelaram, além do “rato Hulk”, mais 11 novas espécies de roedores. Oito desses “ratos” pesavam mais do que um quilo. Já imaginou uma infestação desses “camundongos” na sua cozinha?
























Segundo Kem Aplin, um dos arqueólogos responsáveis pela descoberta, os roedores constituem 40% dos mamíferos no mundo todo e são uma importante parte do ecossistema. Manter a biodiversidade entre ratos seria tão importante quando proteger as baleias.

A datação por carbono mostra que esses ratos gigantes viveram até 2mil anos atrás. Pessoas que viveram nas ilhas da Indonésia há 40 mil anos, caçavam e se alimentavam com a carne desses animais. Isso mostra que a ilha tinha um balanço ecológico até 2mil anos atrás, quando os ratos entraram em extinção por consumo desenfreado. [Science Daily]




























Nota:eu e esses bichanos, não ocupamos definitivamente o mesmo lugar no espaço!

domingo, 1 de agosto de 2010

Televisão
















A invenção que mudou tudo foi a televisão. Foi o primeiro avanço tecnológico de importância histórica mundial no pós-guerra. Com a TV dava-se um salto qualitativo no poder das comunicações de massa. O rádio já se revelara, nos anos de guerra e no período entre guerras, um instrumento muito mais poderoso de conquista social do que a imprensa (...). A capacidade da televisão de exigir a atenção do público é incomensuravelmente maior, porque não se trata meramente de audiência: o olho é atingido antes de se aprumar o ouvido. O que o novo veículo trouxe foi uma combinação de poder sequer sonhada: a contínua disponibilidade do rádio com um equivalente ao monopólio perceptivo da palavra impressa, que exclui outras formas de atenção do leitor. A saturação do imaginário é de outra ordem.





O verdadeiro momento de (...) ascendência [da TV] só veio com a chegada da televisão em cores, que se generalizou no Ocidente no início dos anos 70, desencadeando uma crise na indústria cinematográfica, que ainda sofre os efeitos nas bilheterias. Se há um isolado divisor de águas tecnológico do pós-modernismo, ei-lo. Se compararmos o cenário que criou àquele do início do século, a diferença pode ser captada de forma bem simples. Outrora, em júbilo ou alarmado, o modernismo era tomado por imagens de máquinas; agora, o pós-modernismo é dominado por máquinas de imagens. (...) as máquinas despejam uma torrente de imagens com cujo volume nenhuma arte pode competir. O ambiente técnico decisivo do pós-moderno é constituído por essas cataratas de tagarelice visual. Desde os anos 70, a disseminação de instrumentos e posicionamentos de segunda ordem em boa parte da prática estética só é compreensível em termos dessa realidade primordial. Mas esta, claro, não é simplesmente uma onda de imagens, mas também – e acima de tudo – de mensagens. (...) Os novos aparelhos (...) são máquinas de perpétua emoção, transmitindo discursos que são ideologia emparedada, no sentido forte do termo. A atmosfera intelectual do pós-modernismo, de doutrina mais do que arte, tira muito do seu ímpeto da pressão dessa esfera. Porque o pós-moderno é também isto: um índice de mudança crítica na relação entre tecnologia avançada e o imaginário popular.



ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p.104-105.

Industrial cultural























(...) Eis por que o estilo da indústria cultural, que não tem mais de se pôr à prova em nenhum material refratário, é ao mesmo tempo a negação do estilo. A reconciliação do universal e do particular, da regra e da pretensão específica do objeto, que é a única coisa que pode dar substância ao estilo, é vazia, porque não chega mais a haver uma tensão entre os pólos: os extremos que se tocam passaram a uma turva identidade, o universal pode substituir o particular e vice-versa.





(...) Os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a expressão caótica do sofrimento, como verdade negativa.



(...) O elemento graças ao qual a obra de arte transcende a realidade, de fato, é inseparável do estilo. Contudo, ele não consiste na realização da harmonia – a unidade problemática da forma e do conteúdo, do interior e do exterior, do indivíduo e da sociedade –, mas nos traços em que aparece a discrepância, no necessário fracasso do esforço apaixonado em busca da identidade. Ao invés de se expor a esse fracasso, no qual o estilo da grande obra de arte sempre se negou, a obra medíocre sempre se ateve à semelhança com outras, isto é, ao sucedâneo da identidade. A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai seu segredo, a obediência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Falar em cultura sempre foi contrário à cultura. O denominador comum 'cultura' já contém virtualmente o levantamento estatístico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no domínio da administração.



ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 122 e 123.

A arte e sua relação com o espaço público















Igreja São Benedito sd republica




Hoje, dentro das mais diversas comunidades deste país, produzimos conhecimento sobre arte, construímos escolas de arte e nos organizamos em grupos que atuam realizando exposições e desenvolvendo uma imensa gama de atividades relacionadas com a arte. Todo esse processo alimenta-se de um vasto conhecimento acumulado, uma série de práticas, conceitos e visões acerca do que seja arte, do valor estético de determinadas produções artísticas, entre outros aspectos que cuidamos em transmitir para os alunos. Porém, é curioso notar que aquilo que mais interessa na arte não é o que já temos na conta de algo consolidado, mas, ao contrário, é o que ela carrega e promove de incerteza, de estranhamento. No campo da arte, isso não só é natural, como também é o motor dela mesma, e é um erro que isso não seja encarado desse modo!



Assim, na qualidade de professor, procuro o tempo todo transmitir ao aluno que as formulações apresentadas são formulações, e não verdades absolutas. Alerto-os para o fato de que será sempre preciso deixar espaço para outra leitura, aquela leitura que não possuo. Naturalmente, é preciso também esclarecer que toda a produção artística, assim como qualquer objeto produzido pelo homem, está inscrita na história. Portanto, também não é o caso de se pensar que não haja objetividade possível no discurso sobre arte. É necessário que o aluno saiba da genealogia, por exemplo, de uma obra qualquer que se resolva analisar, como também é fundamental que ele seja informado do campo de referências teóricas utilizadas na abordagem dessa mesma obra. É dever do professor, quando fala, comenta ou julga alguma coisa, apresentar o lugar teórico de onde ele fala, comenta e julga. Dito de uma outra maneira, é dever do professor jamais esquecer aqueles dois versos do Fernando Pessoa: O que em mim sente está pensando e Não sou eu quem descrevo, eu sou a tela e oculta mão colore alguém em mim. Essa posição parece-me essencial para a formação de alunos abertos a novas possibilidades e que se sintam à vontade para pensar novas relações. (...)



O que importa é despertar o aluno para essa riqueza que o mundo tem e para a riqueza que pode ter a relação dele com o mundo. Nesse sentido, a cidade é o maior exercício que temos. Na cidade, há uma proliferação de matérias. É uma memória ao mesmo tempo individual e coletiva porque os espaços falam de nós. (...)



A arte é, talvez, a última possibilidade deste mundo tão opaco. E está rigorosamente nas mãos de quem trabalha com educação fazer com que os alunos que estão se formando percebam a infinidade de coisas que compõem o mundo. Entendê-lo como sendo um elenco de imagens gloriosas que a nossa expressão produziu é pouco. O mundo é mais do que isso. Se tivermos o quadro, será perfeito, maravilhoso, mas uma fotocópia já serve. Temos – e podemos – conjugar esse esforço em fazê-los saber a história da arte com uma visita àquilo que é próximo deles, deixando e estimulando que dentro de cada um deles aflorem elementos como a evocação, a imaginação, a nostalgia, a memória. Assim, quando você pedir para um aluno que olhe para o mundo, que escolha um fragmento daquilo que interessa da sua cidade e da sua experiência nela, ele certamente irá eleger alguma coisa. O que é o mesmo que dizer que ele irá se escolher dentro das coisas que, em última análise, existem porque fazem sentido para ele. Ele vai se reencontrar no mundo.



O problema é que, quando estamos na cidade, temos objetivos. Vamos de um ponto a outro e não percebemos o que há no meio do caminho. Essa é a diferença da arte com relação ao resto, assim como da dança para a caminhada. Na caminhada, o objetivo é chegar a determinado ponto; na dança, é o corpo por ele só, com tudo o que pode oferecer, é uma certa ociosidade. E é fundamental para que você possa redescobrir o próprio corpo. (...) É esse livre pensar. É esse saber desinteressado. É essa capacidade de se abstrair, de focar a atenção numa coisa que se resolve ali mesmo. Não tem aquela razão pragmática de quem contempla o mundo com a intenção de buscar algo que está além dele.



FARIAS, Agnaldo. A arte e sua relação com o espaço público. In: Portal da Educação Pública [http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educação_artistica/0002.html]. Acesso em 19/12/2009

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Noção platônica de beleza























la disputa - 1510-11 Rafael Sanzio



Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para as belas ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.

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- Quando então – continuou ela – é sempre isso o amor, de que modo, nos que o perseguem, e em que ação, o seu zelo e esforço se chamaria amor? Que vem a ser essa atividade? Podes dizer-me?
– Eu não te admiraria então, ó Diotima, por tua sabedoria, nem te freqüentaria para aprender isso mesmo.
– Mas eu te direi – tornou-me. – É isso, com efeito, um parto em beleza, tanto no corpo como na alma.
– É um adivinho – disse-lhe eu – que requer o que estás dizendo: não entendo.
– Pois eu te falarei mais claramente, Sócrates, disse-me ela. Com efeito, todos os homens concebem, não só no corpo como também na alma, e quando chegam a certa idade, é dar à luz que deseja a nossa natureza. Mas ocorrer isso no que é inadequado é impossível. E o feio é inadequado a tudo o que é divino, enquanto o belo é adequado. Moira então e Ilitia do nascimento é a Beleza. Por isso, quando do belo se aproxima o que está em concepção, acalma-se, e de júbilo transborda, e dá à luz e gera; quando porém é do feio que se aproxima, sombrio e aflito contrai-se, afasta-se, recolhe-se e não gera, mas, retendo o que concebeu, penosamente o carrega. Daí é que ao que está prenhe e já intumescido é grande o alvoroço que lhe vem à vista do belo, que de uma grande dor liberta o que está prenhe. É com efeito, Sócrates, dizia-me ela, não do belo o amor, como pensas.
– Mas de que é enfim?
– Da geração e da parturição no belo.
– Seja – disse-lhe eu.
– Perfeitamente – continuou. – E por que assim da geração? Porque é algo de perpétuo e mortal para um mortal, a geração. E é a imortalidade que, com o bem, necessariamente se deseja, pelo que foi admitido, se é que o amor é amor de sempre ter consigo o bem. É de fato forçoso por esse argumento que também da imortalidade seja o amor.

Fontes:

Platão, O Banquete. São Paulo: DIFEL, 1986, 211c-d.
Platão, O Banquete. São Paulo: DIFEL, 1986, 206b-207a. Grifo nosso

A arte e o trabalho





















St Jerome -1480 [obra inacabada]

Da Vinci, Leonardo

A arte é quase tão antiga quanto o homem. É uma forma de trabalho, e o trabalho é uma atividade característica do homem. (...) O homem se apodera da natureza transformando-a. O trabalho é a transformação da natureza. (...) Um meio de expressão – um gesto, uma imagem, um sim, uma palavra – era tão instrumento como um machado e uma faca. Era apenas outro modo de estabelecer o poder do homem sobre a natureza.





FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973, p.40.

O luto da arte

A tese da morte da arte ainda significa mais do que parece























The Death of Marat - 1793


Damien Hirst: a arte contemporânea, sendo trabalho do luto, prova sempre a experiência do desgosto

A discussão sobre a morte da arte teve um lugar essencial nas Lições de Estética, de Hegel, no século 19. Não se pode perder de vista que a morte da arte à qual Hegel se referia era a da arte bela e não da arte de modo geral. Se Hegel tem razão, em havendo uma morte da arte que não deve ser generalizada, trata-se de entender que tipo de arte, para além da arte bela, sobreviveu. Em um século de genocídios, ditaduras e violências de toda sorte, a arte é a memória da sua própria morte.

A pré-história dessa percepção está na Crítica da Faculdade de Julgar, de Kant, que antes afirmou a existência de dois sentimentos, o belo e o sublime, como sustentáculos da experiência estética. Belo – a sensação de prazer com os objetos agradáveis – e sublime – um misto de prazer com desprazer – são formas de acesso subjetivo à beleza, tanto da natureza quanto das artes. Kant define a arte bela como aquela que pode representar de modo belo até mesmo as coisas feias. A tarefa histórica da arte sempre foi a de colocar beleza no mundo e suplantar o feio. Criamos essa expectativa e isso hoje em dia não nos ajuda.

Mas o próprio Kant disse que havia uma espécie de feiura, que não pode ser representada de acordo com a natureza sem cancelar a complacência estética, ou seja, a nossa capacidade de perceber a beleza em geral e a beleza da arte. Kant refere-se à feiura que desperta asco. O asco, segundo Kant, é uma “sensação peculiar” marcada pela imposição do objeto feio que imediatamente se nos lança sobre os sentidos, sem que desejemos aceitar sua presença. O filósofo espanhol Eugenio Trías dá um exemplo repugnante só de ler: quem pisa em um rato morto e eviscerado na rua tem a sensação de que ele vai parar dentro da boca. A experiência do asco se dá como se um prato de merda fosse oferecido para se comer.

O asco é uma espécie de sentimento impossível, por estar na contramão do gosto. Podemos traduzi-lo por nojo. E nojo é algo que se traduz por luto. A experiência do asco ou do nojo, como experiência do des-gosto, é da mesma ordem da experiência do luto, de algo que não desejamos e que mesmo assim se impõe. A lástima pela perda de um objeto amado, mas também do gosto – seja pela arte, seja pela vida – que acompanhava aquele objeto é experiência disseminada em nossa cultura, da qual a arte atual vem a ser a apresentação mais clara.

A arte, do asco ao luto

O luto é sempre uma reação à perda de um objeto amado. É, portanto, a experiência da morte enquanto ela pode ser conhecida: a morte dos outros, das coisas, das experiências. Até mesmo, como em Luto e Melancolia, de Freud, a perda de uma abstração, de um ideal qualquer. Nunca a da epicuriana morte que não encontraremos, pois já não estaremos quando ela aparecer. A arte contemporânea é experiência enlutada e, por isso, dói tanto tratar dela. Encará-la é experimentar o luto na forma de sua exposição possível. Mas, se há entre arte e vida, entre ficção e realidade, uma relação que é sempre de mimese, por imitação ou por mimetismo, e se há tanta perda na vida, a arte não deveria ser nosso resgate para além do que a vida nos dá sem nenhuma elaboração?

A promessa romântica da arte é que ela viria nos salvar da vida. Mas, após a perda da ingenuidade romântica, por que ainda esperamos tanto da arte? Arte é apenas um conceito que tem tão pouco valor quanto pouco uso nos dias de hoje. No entanto, arte ainda é, como conceito, algo que vai na frente da nossa sempre atrasada sensibilidade. Que a arte mova nossa sensibilidade é a esperança sem fundamento de muitos, mas sensibilidade é uma formulação imprecisa entre o perigoso culto da emoção e os sentimentos que só são elaborados mediante a interferência da racionalidade capaz de criar conceitos. Não há chance de que arte hoje seja mais do que uma construção para fazer pensar.

Temos na experiência contemporânea da arte a autopresentificação do seu próprio luto. Como se a arte ainda estivesse no período enojado em que tem que se haver com a memória de um cadáver que é ela mesma e que, na verdade, mimetiza o estado das coisas de um mundo em crise de sentido. Assim é que a obsolescência do conceito de arte o coloca na posição de um conceito-memória. Um conceito que foi válido, mas que perdeu sua circunstância na atualidade. Arte não é mais a bela arte, ainda que possamos com muito esforço descobrir nas obras que a beleza também é um conceito e, como tal, uma visão das coisas.

O paradoxo do gosto

O que a arte contemporânea nos sugere é a experiência do paradoxo do gosto. Como é possível “apreciar” esteticamente aquilo que repugna se neste momento a experiência estética como mediação entre sensibilidade e racionalidade foi anulada? A questão é que a arte contemporânea, sendo trabalho do luto, acontecendo na contramão do gosto, provoca sempre a experiência do desgosto. Por isso, a arte conceitual tem tanto espaço em nosso tempo, por chamar ao pensamento em tempos de cancelamento da sensibilidade. É como se toda obra nos enviasse a mensagem: se não podemos “gostar”, podemos “pensar”. É o paradoxo da inestética: a sensação é de perda da sensibilidade na arte; mais do que um problema da arte, é problema da cultura na qual ela surge. Um artista como Damien Hirst, com seus bezerros e tubarões no formol, não é, portanto, julgável segundo o padrão do gosto pela arte bela, porque estamos em tempos de perda do gosto. O que será que ele nos mostra que não sabemos pensar?

Com isso se consegue compreender o que acontece com a arte atual. Ela é a experiência da morte da própria arte bela nestes tempos de desgraça cultural. Tempos tensos: de um lado tragicofílicos – desejamos a tragédia – e de outro tragicofóbicos – evitamos a morte a qualquer custo –, como disse Hans Gumbrecht. Podemos dizer, nestes tempos, que a arte se faz na ordem do trágico, este sentimento da “morte em mim”, da morte como experiência subjetiva, como imagem da melancolia que nada mais é do que a morte do eu e do pensamento que sempre foi a prova de que existia algo chamado “eu”. Não, não exageremos.

A arte contemporânea não é nem trágica nem melancólica. Enlutada, ela nos pede que ultrapassemos a memória da morte e reinventemos o presente. Só o que impede isso é o capital culto à desgraça em que vivemos hoje. O gozo atual é com a ideologia da morte como um fim, quando, na verdade, estúpidos e conceitualmente avarentos, não sabemos entender o valor e o poder das transformações históricas das quais a arte nos dá apenas uma imagem para nos fazer acordar. Mas quando até mesmo a desgraça se tornou um “capital”, haverá espaço para a arte que denuncia o seu caráter capitalista?

(Marcia Tiburi)

terça-feira, 27 de julho de 2010

O bom senso
















O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm.
Não é verossímil que todos se enganem nesse ponto: antes, isso mostra que a capacidade de bem julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama o bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, assim, que a diversidade de nossas opiniões não se deve a uns serem mais racionais que os outros, mas apenas a que conduzimos nossos pensamentos por vias diversas e não consideramos as mesmas coisas. Pois não basta ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, assim como das maiores virtudes; e os que andam muito lentamente podem avançar muito mais se seguirem sempre o caminho reto, ao contrário dos que correm e se dele se afastam.

DESCARTES,René, Discurso do Método

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Poder






















Os antigos, escreve Jean Bodin (1530-1596), chamavam de República uma sociedade de homens reunidos para viverem bem e felizes. Mas será mesmo este o objetivo de uma República? Para autores modernos como Jean Bodin e Thomas Hobbes (1588-1679), as Repúblicas só podem cuidar das virtudes morais quando estão amparadas quanto ao que lhes é necessário, o econômico passa antes do ético. Esta é a primeira diferença entre a concepção moderna e a antiga da Cidade. A segunda aparece na definição que Bodin faz da República: reto governo de várias famílias e do que lhes é comum, havendo um poder soberano. O que supõe que se reconheça às famílias, às atividades privadas dos homens, uma existência própria - e mesmo, de direito, prévia à Cidade. Mas é preciso, acrescenta Bodin, que haja alguma coisa de comum e pública: como o domínio público, o erário público, as ruas, as muralhas... as leis, os costumes, a justiça... as penas..., pois não existe República se não há nada público.



Contudo, este espaço público é habitado por indivíduos ou grupos (famílias) que, em sua dispersão, nunca constituiriam, sozinhos, uma comunidade entendida como um corpo único. Os indivíduos formam apenas uma multidão, quer dizer, um número de homens distinto pelo lugar das suas residências, como o povo da Inglaterra ou o povo da França (Hobbes). Ora, nesse estágio (ideal) de mera congregação geograficamente determinada, o povo não é um corpo político. Ainda precisa de uma instância que coordene e unifique os indivíduos. É aqui que intervém a noção de potência. A República, sem potência soberana que uma todos os membros e partes, e todas as famílias e colégios, num corpo, já não é mais República (Bodin). Estamos, então em condições de compreender o que é, este grande Leviatã que é chamado de República ou Estado (Hobbes). O que é ele? Um homem artificial, um genial e gigantesco autômato, criado para defesa e proteçãodos homens naturais.


Fonte
LEBRUN, Gerard. O que é poder. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984.

Refrigerantes: É isso aí

De bebidas vendidas em farmácias e indicadas para tratar dor de barriga, os refrigerantes viraram símbolo de rebeldia e hoje estão entre os nomes mais conhecidos do mundo



























por Celso Miranda e Ricardo Giassetti

"Amada minha, ficarei deveras lisonjeado se aceitares me acompanhar à pharmacia para um xarope carbonatado.” Um convite para tomar xarope na farmácia pode não soar como uma cantada lá muito romântica hoje em dia, mas, no fim do século 19, era tudo que uma jovenzinha americana queria ouvir. Afinal, quem não queria experimentar a grande onda, os refrigerantes? Os primeiros deles nasceram numa época em que se confundiam as propriedades medicinais das fontes de águas minerais com as recentes invenções de Joseph Priestley (1767) e John Mathews (1832). Priestley criou um meio de produzir água gaseificada artificialmente, a soda. Mathews desenvolveu o que ficaria conhecido como soda fountain, um aparato que produzia água com gás de forma simples, diretamente no balcão da farmácia. Acreditava-se que a água gaseificada tinha propriedades terapêuticas e por isso ela era recomendada para diversos tipos de tratamento, de simples cólicas à poliomielite.

Por volta da metade do século 19, já era comum encontrar fontes de soda instaladas nas farmácias por todos os Estados Unidos. “Não se sabe exatamente quem foi o primeiro a colocar substâncias adoçantes e corantes na água gasosa, mas certamente isso aconteceu numa farmácia, onde as misturas eram feitas e vendidas como tônicos”, diz Jorge Fantinel, engenheiro químico e consultor das empresas do setor, autor de Os Refrigerantes no Brasil. As primeiras experiências foram feitas com xarope de limão, a soda limonada. Imediatamente depois vieram as misturas com morango, noz-de-cola – um fruto africano parente do cacau, rico em cafeína, conhecido no Brasil como orobô – e ginger-ale, feito de gengibre. Nessa época, eles ainda não tinham o nome de refrigerantes e eram chamados de xaropes gasosos. Mas, vendidos a 1 centavo de dólar, já eram um sucesso.

O crescimento do consumo fez muitas farmácias se transformarem em pontos de encontro. Outras deixaram de lado a venda de remédios para aumentar o espaço de atendimento dos ávidos bebedores de xaropes gasosos. Fenômeno semelhante ocorreu com os proprietários, que começaram a competir pelos fregueses criando xaropes cada vez mais elaborados, fechando suas lojas para se dedicar à produção e venda no atacado. As três maiores marcas norte-americanas atuais foram criadas num espaço de pouco mais de dez anos, por três desses ex-farmacêuticos. Charles Alderton inventou a fórmula da Dr. Pepper, em 1885. No ano seguinte John Pemberton tirou da manga um concentrado com “qualidades estimulantes” à base de noz-de-cola, folhas de coca e outros ingredientes ao qual daria o nome de Coca-Cola. Em 1898 surgiu a Pepsi-Cola, que usava a mesma noz-de-cola e uma enzima para “ajudar na digestão”, a pepsina.

Mas sair das drogarias e chegar sãos, salvos e borbulhantes à casa do consumidor era uma tarefa impossível para os refrigerantes. O limitador, nesses primeiros tempos da indústria, era a embalagem. “Apesar de o primeiro xarope engarrafado datar de 1835, antes da invenção da máquina para moldar vidro, obra do americano Michael Owen, em 1904, as garrafas eram sopradas artesanalmente e variavam na forma e tamanho, dificultando o transporte e o empilhamento”, afirma Jorge. Outra dificuldade era a vedação das garrafas. Das rolhas com arame (similares às de champanhe) às tampas Hutchinson, que seguravam a pressão de dentro para fora, os progressos foram tímidos e os acidentes em depósitos, constantes, transformando o estoque de refrigerantes numa atividade barulhenta (e dispendiosa). A revolução que levou definitivamente o refrigerante para dentro das casas das pessoas foi a tampinha coroa, inventada em 1892 pelo americano William Painter. A rolha metálica recoberta de cortiça (posteriormente trocada pelo plástico) era perfeita para conter a pressão do líquido gasoso. Daí por diante, os xaropes continuariam sendo vendidos nos balcões, mas o caminho até a mesa do almoço de domingo estava definitivamente aberto.

Guaraná Brasil

Por aqui, a moda das fontes de soda não pegou e a indústria partiu direto para o engarrafamento. “Os equipamentos eram precários para gaseificar água e mais ainda para produtos com açúcar, que necessitam de temperaturas de operação mais baixas e pressões maiores. Nosso clima não ajudava a indústria”, diz Jorge Fantinel. Enquanto Coca, Pepsi e Dr. Pepper se industrializavam, abriam novas fábricas e melhoravam a distribuição nos Estados Unidos, um médico de Resende, no Rio de Janeiro, descobriu que uma frutinha vermelha e tipicamente brasileira, o guaraná, dava um tremendo xarope. Em 1905, o doutor Luiz Pereira Barreto elaborou um método de processamento da fruta.

A partir de 1906 a F. Diefenthalerr, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, lançou a primeira linha de refrigerantes industrializados, incluindo a Limonada Gazosa, o Guaraná Cyrilla e a Água Tônica de Quinino. Cervejarias como a Brahma não demoraram a entender o potencial comercial dos gaseificados. A empresa carioca lançou a marca Excelsior em 1907. A paulistana Antarctica começou a produzir a Soda Limonada em 1912 e, em 1921, lançou o Guaraná Champagne. “A fórmula é a mesma até hoje, adaptada apenas para se adequar melhor às mudanças da linha de produção,” afirma o químico Orlando de Araújo, consultor da AmBev, uma das principais empresas do setor.

As precárias condições da infra-estrutura de estradas e ferrovias brasileiras e as dificuldades logísticas mantinham os fabricantes e distribuidores reféns de suas próprias regiões. A demanda crescente, mas limitada geograficamente, fez com que marcas menores aparecessem para atender cidades do interior dos estados. Em São Paulo, maior mercado nacional, surgiram, na década de 1930, fábricas em Jundiaí, Itu, Bauru e São José do Rio Preto. No Maranhão, Jesus Norberto Gomes criou, em 1920, um guaraná cor-de-rosa que até hoje é comercializado. O guaraná Jesus atende seus adoradores e é um dos mais vendidos da região.

“Até os anos 60, alguns processos ainda eram manuais. Usávamos máquinas com pedais mecânicos para colocar as tampinhas nas garrafas e colávamos os rótulos com cola de maisena”, afirma Ricardo Vontobel, que na infância trabalhou na fábrica do pai, a Vonpar, fundada em 1953, no Rio Grande do Sul, e que hoje é uma das maiores franquias da Coca-Cola no país. Se engarrafar era difícil, imagine distribuir. “Na época, o setor de logística não passava de um estábulo com burros e carroças. Sem estradas que comportassem caminhões, usamos esses animais por anos”, lembra Ricardo. “Os burrinhos ficavam tão acostumados com o itinerário que paravam sozinhos diante das vendas e mercados e lá ficavam esperando até a carroça ser descarregada. Mesmo quando não havia entrega, o funcionário tinha que descer e fingir que tirava a carga da carroça. Só assim para enganar o animal e ele concordar em continuar seu caminho.” É por essas e por outras que para cumprir um roteiro de entregas de 300 quilômetros às vezes eram necessários vários dias de viagem.

“As dificuldades de transporte e estocagem mantiveram as gigantes americanas afastadas do Brasil por algum tempo, criando uma base consistente de consumidores para as pequenas indústrias regionais”, afirma Humberto Pandolpho, consultor de empresas no setor. Assim, não é de estranhar que o cantor e compositor mineiro Milton Nascimento só tenha tomado sua primeira Coca-Cola no Rio de Janeiro, a bordo de um avião da Pan Air, como ele afirma na música “Conversando no Bar”, de 1975. Mesmo ano em que, aliás, a palavra “refrigerante”, com o sentido de hoje, apareceu pela primeira vez no dicionário Aurélio.

É guerra!

O conteúdo era importante, mas as embalagens foram um fator decisivo na conquista territorial dos refrigerantes. Em 1934, nos Estados Unidos, a Pepsi deu um salto e tanto, dobrando o volume das garrafas de 170 para 350 mililitros sem mexer no preço. O resultado foi uma explosão de vendas quase sem alterar o custo de produção. A Coca reagiu, apostando em dois elementos importantes e até hoje indissociáveis da indústria dos refrigerantes: o design e a propaganda. Logotipos e slogans foram criados na velocidade em que se espalharam por pontos de venda, jornais e revistas. “Os refrigerantes tiveram grande influência no desenvolvimento da indústria da publicidade. Um exemplo, sempre citado nesse caso, é o uso do Papai Noel pela Coca-Cola”, diz o colecionador Geraldo Gayoso. “A empresa não inventou o Papai Noel, mas utilizou de forma tão maciça sua imagem que acabou imortalizando sua visão do personagem. Hoje ele é um senhor gorducho que se veste de vermelho graças às campanhas publicitárias da Coca-Cola”, diz Geraldo, reconhecido pela própria empresa como o quarto maior colecionador de produtos da marca no mundo.

A Coca foi pioneira em desenvolver garrafas exclusivas, acreditando que o desenho delas teria papel fundamental tanto para a rápida identificação da marca quanto para a fidelização dos clientes. “Enquanto as outras empresas utilizavam garrafas padronizadas, a Coca-Cola lançou um modelo exclusivo. O sucesso foi tamanho que a garrafa – cujo desenho, com pouquíssimas alterações, é mantido até hoje – foi apelidado de Mae West, a curvilínea estrela de Hollywood, símbolo sexual dos anos 30”, diz Geraldo.

Mas o grande salto da Coca-Cola foi durante a Segunda Guerra. Quando os Estados Unidos entraram no conflito, o lendário presidente da Coca, Robert Woodruff, garantiu que os soldados se sentiriam em casa onde quer que estivessem. Casa, para ele, significava poder comprar em qualquer lugar do mundo uma garrafa de Coca por 5 centavos de dólar. Onde não era possível enviar o produto engarrafado foram instalados kits manuais para misturar e envasar o refrigerante. Essas primeiras minifábricas do produto abriram caminho para o licenciamento de fabricantes de Coca-Cola pelo mundo afora, o que daria à empresa o porte de gigante multinacional e a fama de representar os interesses norte-americanos pelo mundo afora.

Na década de 1950 e nas duas décadas seguintes, a Coca e a Pepsi se tornariam símbolos do poder global dos americanos: armas da propaganda política, para o bem e para o mal, na época da Guerra Fria. Símbolo da sociedade de consumo, os refrigerantes se transformaram em pilares do american way of life, ou do jeito americano de ser. O que quer dizer que, ao lado das calças jeans e do rock’n’roll, viraram ícones de um mundo em que liberdade e consumo se equivaliam. E assim, na mesma medida em que a Coca-Cola e a Pepsi eram barradas no Leste Europeu, na União Soviética e na China, elas invadiram a Europa Ocidental, a Ásia e o Brasil.

A aceitação da Coca por aqui não foi imediata. “Antes de sua chegada, os refrigerantes eram vendidos em garrafas escuras e o líquido tinha sabores e cores reconhecíveis, como laranja e limão. Os brasileiros estranharam a cor escura da Coca-Cola, vendida em garrafas transparentes. A empresa realizou operações maciças de degustação para atrair o consumidor”, conta Ricardo Vontobel, da Vonpar. A Coca deu um novo sentido à produção em escala industrial, abrindo fábricas na cidade fluminense de São Cristóvão, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Porto Alegre hospedou a primeira franquia da rede.

Nos anos 1950, houve o primeiro salto no consumo per capita de refrigerante no Brasil. E a primeira medida tomada pela indústria foi o aumento do volume das garrafas. As caçulinhas, garrafinhas de 180 mililitros, perderam espaço para as garrafas de 270 mililitros, que se tornaram a medida padrão nacional. Com a crescente urbanização do país e a chegada dos eletrodomésticos, incluindo as geladeiras, às casas de classe média, o próximo passo da indústria de refrigerantes foi óbvio: a criação das garrafas de 1 litro. Embora nunca tenha deixado de crescer, a outra grande explosão de consumo no Brasil só se daria nos anos 90. O Plano Collor pôs fim a diversas reservas de mercado e abriu a possibilidade de importação de máquinas a preços convidativos até para os pequenos fabricantes.

Isso numa época em que a grande novidade do ponto de vista tecnológico e de mercado era a garrafa one-way (ou não-retornável). A substituição do vidro pelo polietileno tereftalato, o PET, fez com que os vasilhames ficassem mais baratos e, mesmo em grandes formatos, descartáveis. Isso deu à indústria de refrigerantes, a partir dos anos 80 nos Estados Unidos e dos 90 no Brasil, um alcance quase ilimitado. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas, hoje são mais de 300 empresas fabricando refrigerantes no Brasil, com vendas totais da ordem de 12,2 bilhões de litros ao ano. No mundo, são 185 bilhões de litros, pouco mais de 30 litros por pessoa.

Com números como esses e pontos de venda que vão dos restaurantes luxuosos aos camelôs nos cruzamentos das grandes cidades, é impossível imaginar um dia sem pelo menos avistar uma latinha ou garrafa de refrigerante. Ele finalmente encontrou seu lugar e, no mundo todo, as pessoas abriram espaço em suas geladeiras para a enorme garrafa de água colorida, com sabor artificial e bolhas de gás.



Da rolha à Mae West
Imagem é tudo: pioneira no design inovador das garrafas, a Coca-Cola lançou modelos exclusivos

1894

Embora a tampinha coroa já existisse, a Coca-Cola foi vendida em garrafas com a rolha Hutchinson até 1902

1900

Com um desenho mais moderno, as garrafas vinham nas versões transparente e âmbar até 1916

1915

O modelo exclusivo – apelidado de Mae West por causa das curvas – fez sucesso e quase não mudou mais

1975

Nos Estados Unidos, a garrafa de plástico one-way com tampa de rosca foi testada já na década de 70.


Supertamanho
Celso Miranda
Em 30 anos, as famílias brasileiras diminuíram 44%. Já os refrigerantes triplicaram de volume

Eu cresci nos anos 1970, no Sumarezinho, em São Paulo. Colecionava figurinhas, adorava gibis do Pato Donald e, como os meninos de hoje, quando não estava na escola, estava jogando futebol. Fora os videogames, o acesso aos celulares e à internet, a grande diferença entre minha infância e a de hoje é que, na época, eu quase nunca bebia refrigerante. Em casa era raro, raríssimo, e a gente só tomava quando ia ao cinema com minha mãe ou ao clube com meu pai. Aí eu tomava Fanta Uva e meu irmão Sérgio, guaraná. Mas, mesmo de longe, eu os amava, tanto que colecionava tampinhas, que eu catava no chão, que nem doido, em todo lugar (lembro-me da tampa do refrigerante Minuano, que um amigo meu trouxe do Sul e que, até hoje, eu nunca tomei).

Não me lembro bem o porquê disso. Nunca perguntei para os meus pais. Mas me recordo de levar muita groselha com leite (argh!) no lanche da escola e tomar chá gelado e Q-Suco (pronuncia-se “quissuco”) no almoço. Não sei se os refris eram muito caros, ou talvez fosse o trabalho que dava. Pode parecer incrível dizer isso hoje em dia, mas não era tão simples comprar refrigerante nos anos 70, na maior cidade brasileira. Para comprar uma Coca grande (ou família, como se dizia), você tinha que levar uma garrafa vazia. E tinha que ser de Coca. Se só tivesse garrafa de Fanta, tinha que tomar Fanta. Então, a gente guardava tudo quanto é garrafa. Na minha casa, elas ficavam debaixo do tanque e eu achava nojento ir pegá-las, porque, dado seu conteúdo açucarado, não era raro haver baratas e outros insetos lá dentro. No supermercado, a necessidade de trocar vasilhames cheios por vazios fazia com que a gente ficasse na fila, geralmente do lado de fora das lojas, com uma sacola cheia de garrafas de vidro na mão. Para quem não tinha um casco (que era como a gente chamava a garrafa vazia), restava a opção de deixar um depósito. Funcionava assim: você ia à venda mais próxima e em vez de pagar, vamos supor, 1 cruzeiro (que era o dinheiro daquela época) pela Coca, pagava 3 (a relação era mais ou menos essa mesmo, ou seja, o casco era bem mais valioso que o conteúdo). Aí o vendedor lhe dava um papelzinho – que podia ser um pedaço daquele papel de seda de embrulhar pão, ou o verso em branco dos pacotes de cigarros – onde ele escrevia o valor do depósito (2 cruzeiros) e assinava. Eu achava o máximo, porque, no outro dia, se meu pai esquecesse, eu voltava e trocava o papelzinho por dinheiro. Chegando em casa, hora de procurar o abridor. Que nunca, nunca estava na mesma gaveta. Porém o que mais me intriga e o que permanece mais vivo na minha memória é que, depois de tudo isso, vencidos todos os percalços, a gente se sentava em volta da mesa, meu pai abria a garrafa de 1 litro e o conteúdo satisfazia quatro crianças e dois adultos. Hoje as famílias diminuíram e os refrigerantes cresceram. Não sei bem, mas talvez isso queira dizer alguma coisa, não é?


Saiba mais
Livros

Tono-Bungay, H.G. Wells, Penguin Classics, 2005 - A ponte entre as novelas cômicas e as novelas de idéias, tida pelo próprio Wells como seu mais ambicioso trabalho de ficção. Conta os primórdios da indústria de xaropes tonificantes nos Estados Unidos.

E o Outro Vacilou, Roger Enrico, Bertrand Brasil, 1986/89 - Um dos poucos livros publicados no Brasil sobre a “guerra da colas”.

Site

www.bevtech.com.br - Sobre colecionismo e curiosidades da indústria de refrigerantes.

Fonte:Superinteressante

terça-feira, 20 de julho de 2010

O espirro também é "atchim" em outros países?






















por Yuri Vasconcelos



Não. Cada língua tem uma forma própria de representar o som do espirro. Por exemplo, na França é atchoum, na Alemanha hatschi e nos Estados Unidos atchoo, achoo ou achew. Entre idiomas de um mesmo tronco lingüístico, como o português e o francês (derivados do latim), as onomatopéias do espirro podem ser similares. Mas isso não é uma regra. "Línguas do mesmo grupo podem ter representações bem distintas. As onomatopéias são formas espontâneas, que não se submetem totalmente aos sistemas fonológicos da língua", diz o lingüista Mário Viaro, da Universidade de São Paulo (USP). Já o modo como as pessoas "respondem" ao espirro varia muito, como você pode conferir ao lado. O atchim costuma ser provocado por uma irritação no nariz, na garganta, no pulmão ou nas vias aéreas superiores. Pode também ser uma defesa do organismo contra partículas invasoras, como poeira ou pólen – num espirro, o ar é expulso numa velocidade incrível: 150 km/h! E você já reparou como a maioria das pessoas involuntariamente fecha os olhos ao espirrar? Uma das razões é que, ao cerrarmos as pálpebras, reduzimos o risco de que as partículas expelidas entrem em contato com os olhos durante o atchim. Saúde! 8-)

O ESPIRRO E SUA "RESPOSTA" EM ALGUMAS LÍNGUAS

Em português: Atchim - Saúde!
Em inglês: Atchoo! - Deus te abençoe!
Em indonésio: Hatchi - Bendito seja Deus!
Em dinamarquês: Atju - Poderá beneficiar-te!
Em letão: Apci - Isso é para sua saúde!
Em romeno: Hapciu - Boa sorte


Fonte:Mundo estranho

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Segredo do Bonzo






























The Thinker -1881 Auguste Rodin




- Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber, têm duas existências paralelas,
uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se
puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito
solitário, remoto de todo contacto com outros homens, é como se eles não existissem. Os
frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias,
e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há
espetáculo sem espectador.[...]



Fonte:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.

sábado, 17 de julho de 2010

Série História da Animação – Parte I







Para compreender como começou a animação 3D, primeiramente temos de conhecer os primeiros desenhos animados e seus mais antigos representantes. Sem estes não poderíamos ter progredido na animação 3D.

Animação é a exibição rápida de uma sequência de imagens de 2D, 3D ou fotos de modelos reais (stop motion) para criar uma ilusão de movimento.

Os primeiros exemplos de tentativas de capturar o fenômeno do movimento de desenho podem ser encontrados no Paleolítico, nas pinturas rupestres, onde os animais são retratados com pernas múltiplas, clara tentativa de transmitir a percepção de movimento. Há também as pinturas das paredes egípcias, repletas de desenhos com poses variadas.

Em um dos exemplos mais famosos de Leonardo da Vinci, ele mostra como os membros ficariam em várias posições. Os anjos de Giotto parecem voar em seus movimentos repetitivos e os pergaminhos japonêses usados para contar histórias contínuas são os precursores desta arte que hoje conquistou o mundo.

Para que a animação fosse possível ser realizada, foi preciso saber um princípio fundamental do olho humano: a persistência da visão. Isso foi demonstrado pela primeira vez em 1828 pelo francês, Paul Roget, que inventou o taumatrópio – um disco com uma corda em baixo e em cima. Um lado do disco mostrou uma ave, e do outro a gaiola vazia, quando o disco girava, a ave aparecia na gaiola. Isso provou que o olho humano retém as imagens quando é exposto a uma série de retratos, um de cada vez.




continua..












Fonte:http://www.baloom.com.br/

Em busca da cidade bíblica

Pouco se sabe sobre a cidade de Jericó, descrita no Velho Testamento como a "Cidade das Palmeiras" e conhecida por ser o lugar do retorno dos israelitas da escravidão no Egito, liderados por Josué. Escavações descobriram 20 assentamentos, dos quais o primeiro data do ano 9000 a.C.














restos do palácio de Herodes

Por Sérgio Pereira Couto



O que foi a mítica cidade de Jericó? Muito do que sabemos veio da Bíblia, mais precisamente de Josué, no Velho Testamento. Poucos sabem que se trata de uma verdadeira cidade da Antiguidade que, embora não possua o glamour de uma civilização mediterrânea, tem o seu valor para um melhor entendimento da região do Oriente Médio.
No século XIX, acreditava-se que a agricultura havia se desenvolvido no Vale do Nilo em aproximadamente 4000 a.C. e teria ocorrido quase simultaneamente ao desenvolvimento da cerâmica. O Neolítico (um termo que significa "pedra nova") foi associado à invenção desta última atividade.

A partir dos primeiros trabalhos ocorridos no local, a arqueóloga britânica Kathleen Kenyon (1906-1978) percebeu que havia camadas mais profundas por baixo das já conhecidas, datadas da Idade do Bronze. Assim, a cada vez que suas próprias escavações se aprofundavam, ela encontrou depósitos que remontavam ao Neolítico, o que provava que o sítio arqueológico era mais antigo do que se pensava. Porém não foram descobertos restos de cerâmica nas camadas mais modernas, embora fossem mais profundas. Assim foram estabelecidos dois períodos para identificação dos restos encontrados: o Neolítico Pré-Cerâmica A (NPCA) e B (NPCB). A conclusão a qual Kenyon chegara era a de que, apesar da falta de cerâmica, as camadas encontradas eram de comunidades de fazendeiros.
Seria essa a Jericó da Bíblia? Essa foi a dúvida que estava na cabeça de todos quando as primeiras amostras retiradas das escavações da arqueóloga foram enviadas para a Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, onde a tecnologia do radiocarbono havia acabado de se tornar disponível. Os resultados foram especialmente surpreendentes para ela e sua equipe: as amostras remontavam a um período estimado entre 8000 e 7000 a.C., muito antes da data de 4000 a.C. conhecida. Jericó havia sido ocupada por pessoas que cultivavam grãos milhares de anos antes, remontando ao período entre 9000 e 7000 a.C. Essas datas logo foram confirmadas por leituras de outros sítios arqueológicos e as escavações de Kenyon estabeleceram o começo da história da agricultura.




Muralhas e Mortos















Vista aérea do sítio arqueológico de Jericó




Apesar das provas que mudavam a concepção histórica sobre o início da atividade agricultural, os prédios da antiga Jericó e seus conteúdos foram ainda mais surpreendentes. Construções na quantidade descoberta pelos arqueólogos era algo completamente sem precedentes numa era tão longínqua. A camada do NPCA era cercada por um trincheira larga cavada no leito de pedra e uma muralha com aproximadamente 3,66 metros de altura e 2,74 metros de largura. Essa construção era complementada por uma torre de aproximadamente 7,62 metros de altura, feita de pedra talhada com uma escadaria interna que levava a um terraço plano.
O objetivo dessa torre e da muralha é discutido até hoje. Kenyon pensou se tratar de medidas defensivas, mas teorias mais recentes sugerem que se assim fosse, teriam como meta proteger o vilarejo de inundações e deslizamentos de terra e não de ataques de inimigos.


A área no interior das muralhas é grande e poderia conter cerca de 500 pessoas em qualquer período. As casas eram construídas com pedras ou tijolos de argila, eram redondas e parcialmente abaixo do solo. Na próxima camada, pertencente ao NPCB, as casas mudaram para o formato retangular, mas mantiveram os pisos de argamassa. Porém, as do NPCB eram polidas e pintadas.
Outro detalhe que chamou a atenção dos arqueólogos foi que os habitantes de Jericó do NPCB viviam literalmente com seus mortos. Kenyon foi capaz de escavar cerca de um décimo de toda a área, mas encontrou cerca de 276 buracos usados em enterros e todos eles eram associados às construções da cidade. Estavam nos pisos, entre as paredes, sobre as estruturas das casas e mesmo dentro da já citada torre. Poucos eram acompanhados por artefatos, mas muitos deles, principalmente os que continham corpos de adultos, não tinham os crânios, que eram enterrados em separado.

Grupos de crânios decorados foram identificados como sendo do período NPCB. Sete estavam em um único buraco, alguns estavam em casas e outros ainda sobre os pisos pintados e polidos. Suas faces foram modeladas com aplicações de gesso sobre os ossos e muitos não possuíam as mandíbulas, uma indicação de que podem ter sido colocados como decoração cerimonial depois de anos enterrados.
Por vezes moluscos eram colocados no lugar dos olhos e havia traços de outras decorações no gesso de alguns deles, que poderia ser para desenhar bigodes. Alguns dos crânios encontrados pareciam ter sido enterrados novamente enquanto outros eram conservados para mostrar nas casas, junto dos demais ossos que estavam nos buracos encontrados. Eram preparados com muito cuidado e a maioria dos crânios está em excelentes condições de preservação, o que indica que poderiam fazer parte de algum culto aos antepassados.

Períodos

Por fim, resta falar um pouco sobre o que se conhece dos períodos históricos de Jericó. O primeiro assentamento foi seguido por um (por volta de 6800 a.C.) que os arqueólogos dizem ser de um povo que teria absorvido os habitantes originais para dentro da cultura então predominante. Na metade final da Idade do Bronze Médio (por volta de 1700 a.C), a cidade já tinha prosperidade o suficiente para ter seus muros expandidos e reforçados. Foi destruída por volta de 1550 a.C., e o local ficou abandonado até ser reutilizado no século IX a.C.
Pouco depois, houve uma invasão assíria, seguida por uma babilônica. Jericó ficou novamente sem habitantes entre 586 e 538 a.C., perío do do exílio babilônico. O rei persa Ciro, o Grande, refundou a cidade distante um quilômetro e meio a sudeste do seu local histórico no monte Tell es-Sultan.

Sob domínio persa a cidade foi um centro administrativo e serviu como sede para Alexandre, o Grande, após sua conquista da região entre 336 e 323 a.C. Passou para o domínio helênico em meados do século II a.C. e foi arrendada por Herodes de Cleópatra, após a rainha egípcia tê-la recebido como presente de Marco Antônio.
Após a queda de Jerusalém pelo exército de Vespasiano em 70 d.C., Jericó declinou rapidamente, e apenas em 100 d.C. a cidade foi uma pequena guarnição romana. Outros períodos se seguiram, mas o mistério sobre quem seriam seus primeiros habitantes, bem como seus hábitos tão peculiares, ainda persiste até que novas evidências sejam descobertas.


























Fonte: leituras da História