quarta-feira, 26 de maio de 2010

Os estóicos e o suicídio









The School of Athens - 1509 Rafael Sanzio




Não se você já leu ou ouviu falar sobre os estóicos, se não tá ai uma bela oportunidade!Os estóicos respeitavam o ato do suicídio. Era até recomendado para quando se pudesse decidir que a vida não tinha mais o porquê de ser vivida.
Atualmente ao olharmos para o mundo ocidental, com a globalização e seus aspectos individualistas, o suicídio cresce nas grandes metrópoles. Segundo Durkheim o suicídio é um fato social externo, ou seja está fora do indivíduo, ja existe antes dele,está posto.

***


2. As sociedades ocidentais e o suicídio

Como refere Durkheim no seu clássico sobre o tema, o suicídio – e

aqui referimo-nos, essencialmente, ao tipo de suicídio a que o sociólogo

francês chama “egoísta”10 – tem sido, ao longo da história

ocidental, e não só, objecto de uma condenação generalizada, que

chegou mesmo à sua criminalização.

Sem querermos traçar aqui a história de um tal processo, diremos

apenas, baseando-nos ainda em Durkheim, que na Grécia e

em Roma o suicídio era legítimo apenas quando autorizado pelo

Estado, ainda que, na fase final dessas civilizações, ele passasse

a ser tacitamente tolerado mesmo sem tal autorização.11 Em Atenas

– mas também em Esparta, Tebas e Chipre –, não só estavam

vedadas as honras de sepultura ao homem que se suicidava sem

autorização do Estado, como se cortava uma mão ao cadáver para

ser enterrada à parte. Em Roma parece ter vigorado, igualmente, a

proibição das honras de sepultura para os suicidas.

Com o cristianismo, o suicídio passa a ser objecto de proibição

rigorosa e formal12, sendo proclamado crime no Concílio de Arles,



10 Durkheim entende, por tal, o suicídio que “resulta de uma individualização

excessiva” (Durkheim, op. cit., p. 200).

11 Cf. Durkheim, ibidem, p. 328-331. De acordo com um autor antigo, a

lei em Atenas diria o seguinte: “Que aquele que não quer viver mais tempo

exponha as suas razões ao Senado e deixe a vida se o Senado lhe der autorização

para partir. Se a existência te é odiosa, morre; se o destino te é opressivo, bebe

a cicuta. Se o peso da dor te faz andar curvado, abandona a vida. Que o infeliz

relate os seus infortúnios, que o magistrado lhe forneça o remédio e a miséria

cessará.” (Libanius, citado por Durkheim, ibidem, p. 329).

12 Note-se que, de acordo com Nietzsche, esta proibição é, acima de tudo,

uma re-orientação do suicídio, que está na base do poder do próprio cristianismo:

“Da terrível ânsia de suicídio, que existia na época do seu surgimento,

fez o cristianismo a alavanca do seu poder. Ao mesmo tempo que mantinha como

lícitas apenas duas formas de suicídio, que revestia de suprema dignidade

e a que atribuía as mais elevadas esperanças, proibia, da maneira mais assustadora,

todas as restantes. O martírio e o lento auto- aniquilamento dos ascetas

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de 425, e sujeito a sanção penal no Concílio de Praga, de 563,

tendo ficado aí estabelecido “que os suicidas não seriam ‘honrados

com nenhuma comemoração do santo sacrifício da missa e que o

cântico dos salmos não acompanharia o seu corpo na descida ao

túmulo”’.13 A legislação civil vai seguir, nesta matéria, a legislação

canónica e associar, às sanções religiosas e espirituais, as sanções

materiais, que faz incidir quer sobre o corpo do suicida quer sobre

os seu bens, objecto de confiscação – prolongando assim, sobre os

seus sucessores, as consequências do acto do suicida.14 É apenas

a partir da revolução francesa de 1789 que o suicídio vai deixar de

ser considerado como crime legal – o que não obstou, no entanto,

a que a sua condenação religiosa e moral se tenha prolongado até

aos nossos dias.

Quanto às razões desta condenação – religiosa, moral e mesmo

legal – do suicídio, situa-as Durkheim fundamentalmente no

facto de ele atentar contra o “culto do homem” que é, em última

análise, o garante da sobrevivência da própria sociedade enquanto

tal.15 Visto em termos desta última, o suicídio é um acto tão grave

como o homicídio, na medida em que, como este, lhe rouba um

dos seus membros. Explicar-se-á assim, também, porque é que as

sociedades não só admitem como valorizam mesmo, em extremo,



eram, porém, permitidos.” (Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, Aforismo 131,

Lisboa, Relógio D’Água, 1998, p. 145).

13 Durkheim, op. cit., p. 326.

14 Estas sanções podiam ser acompanhadas de outras ainda mais degradantes.

Assim, e para exemplificarmos apenas com o caso francês: “Em Bordéus, o

cadáver era pendurado pelos pés; em Abbeville, era arrastado pelas ruas; em

Lille, se era um homem, o cadáver, arrastado com forquilhas, era pendurado pelo

pescoço; se era uma mulher, era queimado.” (Durkheim, ibidem, p. 326; para

uma descrição deste tipo de sanções noutros tempos e lugares, cf. p. 326-328).

15 Cf. Durkheim, ibidem, p. 331-337.

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3. O suicídio como problema filosófico

Atendo-nos ao que nos revela quer a nossa experiência quotidiana

quer a sua tradução nos media, o nosso tempo parece ser muito

mais tolerante e compreensivo em relação ao suicídio do que as

sociedades que nos antecederam. De facto, de um modo geral, o

suicídio tende hoje a ser visto menos como um pecado ou um crime

do que como o resultado de uma patologia e, como tal, a ser objecto

mais de compaixão do que de condenação.18 No entanto, até que

ponto representa, uma tal viragem, um acréscimo de “tolerância” e

de “compreensão” em relação ao suicídio? De forma geral tendese

a recusar, ao suicida, que o seu acto possa ser o resultado de

uma decisão livre e consciente; ele é sempre, de uma forma ou



16 Durkheim entende, por tal, o suicídio que resulta de “uma individualização

insuficiente”, e que é próprio das “sociedades inferiores”, em que parece ser raro

o suicídio egoísta, mas em que o a altruísta “se encontra em estado endémico”.

(Durkheim, op. cit., p. 207).

17 A essência da “bela morte” está muito bem sintetizada no título da secção

de um livro de Jean-Pierre Vernant dedicada a esse herói ambíguo que é Aquiles

– filho do humano Peleu e da deusa Tétis, mortal no calcanhar e imortal no resto

do corpo: “Morrer jovem, sobreviver heroicamente”. (Cf. Jean-Pierre Vernant,

O Universo, os Deuses, os Homens, Lisboa, D. Quixote, 2000, p. 95-99). Para

sermos mais rigorosos, talvez devêssemos dizer que a “bela morte” se situa a

meio caminho entre os tipos de suicídio “egoísta” e “altruísta”.

18 A palavra-chave, quando se procura “explicar” um suicídio é, quase sempre,

a palavra “depressão”, seguida de perto por palavras como “loucura”, “desespero”

ou “emoção incontrolável”, que relevam, também elas, do domínio do

patológico, pelo menos momentâneo.

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outra, alguém que “perdeu a razão” e cujo acto acaba, no fundo,

por escapar a todas as razões.19

Que o suicídio possa ser encarado de outra forma é, como se

sabe, a hipótese de Albert Camus que, no seu Mito de Sísifo, faz

mesmo dele o único “problema filosófico verdadeiramente sério”,

de cuja resposta depende tudo o mais.20 Esta relevância concedida

ao problema do suicídio não é, no entanto, nova no campo da

filosofia, antes remontando às origens deste saber entre os gregos.

Assim, no Fédon de Platão, Sócrates afirma acerca dos filósofos

que “eles não têm outra ocupação senão a de morrer e estarem

mortos”21, acrescentando, ainda, que os filósofos “se exercitam a

morrer e que não há homens que tenham menos medo do que eles

em estarem mortos”22. No entanto, este exercício do morrer e do

estar morto não significa, de forma alguma, que os filósofos devam

cometer suicídio – fundamentalmente porque, sendo os humanos

pertença dos deuses, não lhes cabe dispor de uma vida que não é

sua.23 A “morte” em que os filósofos se exercitam é, assim, uma

morte metafórica que traduz, da sua parte, a consciência de que,



19 “É muito mais difícil [do que na morte na sequência de doença] encontrar

ou criar um significado na morte súbita resultante do suicídio ou da injúria autoinfligida.

Para o indivíduo que escolheu cometer suicídio, parece que a vida se

tornou uma luta sem sentido, ou um terror para o qual a morte é a única saída.

O único factor comum ao suicídio ou à injúria auto-infligida é o fazer-se mal a

si próprio; a questão comum deixada aos que ficam é ‘Porquê’?” (Stella Ridley,

“Sudden death from suicide”, in Donna Dickenson, Malcolm Johnson, Jeanne

Samson Katz (org.), Death, Dying and Bereavement, London, Sage Publications,

2000, p. 55). Cf. também, na mesma obra, Leo Tolstoy, “Death and the meaning

of life”, p. 82-85.

20 Albert Camus, O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo, Lisboa, Livros

do Brasil, s/d, p. 13.

21 Platão, “Phédon”, 64a, in Oeuvres Complètes, Vol. I, Paris, Gallimard,

1997, p. 774.

22 Platão, ibidem, 68e, p. 780.

23 Platão, ibidem, 62b-c, p. 771-772.

face à alma imortal e ao seu cuidado, o corpo e seu cuidado devem

ser colocados em segundo plano e mesmo desprezados.

Afastando-se desta posição de Platão e aproximando-se da de

Camus24, os Estóicos, de que aqui tomaremos Séneca como exemplo,

vão defender que o suicídio não só é legítimo como é, muitas

vezes, o único acto que permite que uma vida digna possa terminar

de uma forma digna. Procuraremos, nos pontos que se seguem,

esclarecer o sentido de uma tal posição.

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4. Os antigos e a estética da existência

Com os Estóicos torna-se visível a concepção, já implícita na cultura

grega, a que Raymond Bayer chama a “concepção estética da

moralidade”, e que se pode resumir na tese de que a ética é uma

“arte”.25 É precisamente nesse sentido que também Husserl se refere

à ética como a “arte de ser um homem virtuoso” e “arte da

acção justa.26

Mesmo se, de acordo com Bayer, Séneca se afasta da “concepção

estética da moralidade” que é apanágio da ortodoxia estóica,

na medida em que “acaba por definir o bem excluindo a beleza-

”27, o que é certo é que, nas suas Cartas a Lucílio28, estão ainda



24 A aproximação entre o estoicismo antigo e o existencialismo camusiano

parece-nos, nesta matéria – mas não só – mais do que evidente.

25 “Os fins naturais são dados primeiro, depois a razão sobrevem e trabalha-os

como um artista trabalha uma matéria; por isso a vida moral é assimilada a uma

arte, não às artes em que a obra é exterior à própria arte, mas às artes em que

o resultado se mostra uno com a própria arte, como o histrião, a representação

do actor ou os movimentos do dançarino.” (Cf. Raymond Bayer, História da

Estética, Lisboa, Estampa, 1995, p. 71).

26 Cf. Edmund Husserl, La Philosophie comme Science Rigoureuse, Paris,

PUF, 1993, p. 72.

27 Bayer, ibidem, p. 73.

28 Cf. Lúcio Aneu Séneca, Cartas a Lucílio, Lisboa, Gulbenkian, 1991.

presentes os temas característicos daquela concepção. Assim, em

múltiplos passos, ao mesmo tempo que se afirma a necessidade

de dar uma “forma”, uma “estrutura”, uma “configuração permanente”

ou uma “conformação” à nossa alma – de modo a que esta

possa, em cada momento e situação, decidir o que fazer, sem tergiversações

nem ziguezagues29 –, compara-se a vida a uma obra

de arte, que há que “esculpir” a partir dos “materiais”, diversos e

variáveis, que a fortuna vai colocando à disposição de cada um de

nós.30 Mais especificamente, as artes e os artistas que estão em

jogo, no texto de Séneca, são a pintura e o pintor31, o teatro e o

autor32 e a escultura e o escultor.33 Em consequência do que a

própria sabedoria ou filosofia – que Séneca praticamente identifica

com a ética – é uma arte, ainda que especial, na medida em que,

ao contrário das outras artes (técnicas), ela é exercida não apenas

por alguns mas por todos e cada um dos homens que, com ela,

visa produzir-se a si próprio e não um qualquer objecto exterior.34





O Suicídio considerado como uma das Belas Artes 11

presentes os temas característicos daquela concepção. Assim, em

múltiplos passos, ao mesmo tempo que se afirma a necessidade

de dar uma “forma”, uma “estrutura”, uma “configuração permanente”

ou uma “conformação” à nossa alma – de modo a que esta

possa, em cada momento e situação, decidir o que fazer, sem tergiversações

nem ziguezagues29 –, compara-se a vida a uma obra

de arte, que há que “esculpir” a partir dos “materiais”, diversos e

variáveis, que a fortuna vai colocando à disposição de cada um de

nós.30 Mais especificamente, as artes e os artistas que estão em

jogo, no texto de Séneca, são a pintura e o pintor31, o teatro e o

autor32 e a escultura e o escultor.33 Em consequência do que a

própria sabedoria ou filosofia – que Séneca praticamente identifica

com a ética – é uma arte, ainda que especial, na medida em que,

ao contrário das outras artes (técnicas), ela é exercida não apenas

por alguns mas por todos e cada um dos homens que, com ela,

visa produzir-se a si próprio e não um qualquer objecto exterior.34



Presentes os temas característicos daquela concepção. Assim, em

múltiplos passos, ao mesmo tempo que se afirma a necessidade

de dar uma “forma”, uma “estrutura”, uma “configuração permanente”

ou uma “conformação” à nossa alma – de modo a que esta

possa, em cada momento e situação, decidir o que fazer, sem tergiversações

nem ziguezagues29 –, compara-se a vida a uma obra

de arte, que há que “esculpir” a partir dos “materiais”, diversos e

variáveis, que a fortuna vai colocando à disposição de cada um de

nós.30 Mais especificamente, as artes e os artistas que estão em

jogo, no texto de Séneca, são a pintura e o pintor31, o teatro e o

autor32 e a escultura e o escultor.33 Em consequência do que a

própria sabedoria ou filosofia – que Séneca praticamente identifica

com a ética – é uma arte, ainda que especial, na medida em que,

ao contrário das outras artes (técnicas), ela é exercida não apenas

por alguns mas por todos e cada um dos homens que, com ela,

visa produzir-se a si próprio e não um qualquer objecto exterior.34


Nas citações que, a seguir, fazemos desta obra, indicamos, sucessivamente, os

números da Carta, do parágrafo e da página da edição referida.

29 Como diz a Carta 16: “O objecto da filosofia consiste em dar forma e

estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo de vida, em orientar os nossos

actos, em apontar-nos o que devemos fazer ou pôr de lado, em sentar-se ao leme

e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos.” (Séneca, ibidem, 16, 3, p.

55).

30 Assim, na Carta 34, e dirigindo-se a Lucílio, afirma Séneca: “Tu estás

ligado a mim, és obra minha.” (Séneca, ibidem, 34, 2, p. 126); na Carta 47,

os amigos - os homens - são comparados a “um bom material [que] permanece

inutilizado por falta de quem o trabalhe” (Séneca, ibidem, 47, 16, p. 159-160);

na Carta 124 observa-se que o bem “está tão longe da infância como (...) a obra

acabada do esboço inicial” (Séneca, ibidem, 124, 10, p. 700).

31 Cf. Séneca, ibidem, 71, 2-3, p. 271-272.

32 Cf. Séneca, ibidem, 77, 20, p. 328.

33 Cf. Séneca, ibidem, 85, 40, p. 394-395. Segundo a comparação de Séneca,

tal como Fídias, que sabia esculpir bem em qualquer material, também o sábio

terá de “esculpir” a sua vida quaisquer que sejam as condições em que ela

decorre, para a “transformar em algo digno de memória”.

34 Séneca estabelece, de uma forma que se inspira claramente em Aristóteles,



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Historiador



























Madonna & Child (The Small Cowper Madonna), 1505 Rafael





Veio para ressuscitar o tempo
e escalpelar os mortos,
as condecorações, as liturgias, as espadas,
o espectro das fazendas submergidas,
o muro de pedra entre membros da família,
o ardido queixume das solteironas,
os negócios de trapaça, as ilusões jamais confirmadas
nem desfeitas.

Veio para contar
o que não faz jus a ser glorificado
e se deposita, grânulo,
no poço vazio da memória.
É importuno,
sabe-se importuno e insiste,
rancoroso, fiel.

Carlos Drummond de Andrade, in 'A Paixão Medida'

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Abolição da escravidão: a igualdade que não veio IV



















A comemoração da assinatura da Lei Áurea, porém, não ficou restrita às missas, manifestações públicas, marchas escolares, execução de hinos, bandas musicais e paradas militares. Os jornais do final do século XIX mostram que, após os primeiros aniversários, as celebrações oficiais passaram a ser acompanhadas por protestos populares, homenagens póstumas a abolicionistas, críticas às diretrizes republicanas e reivindicações da população negra.

O final do século XIX e o início do XX foram marcados por uma batalha pela memória das lutas populares abolicionistas e pelas demandas de integração e cidadania.

Em várias regiões do país surgiram associações, entidades e clubes formados por libertos e pela população negra em geral, pertencentes tanto aos setores literários quanto aos meios operários ou recreativos. O principal apelo organizativo era reunir-se para tratar de assuntos do interesse dos “homens de cor” ou das “classes de cor”. Nessa época, surgiu um vocabulário político próprio dos negros, por meio do qual avaliavam sua inserção na sociedade, suas demandas, seus comportamentos, suas estratégias, suas formas de atuação e suas denúncias e protestos contra a ordem social vigente.

Abolição da escravidão: a igualdade que não veio III















Memória seletiva

O esforço para esquecer um passado incômodo foi acompanhado pela construção de uma memória seletiva do processo de emancipação, que apresentava a Lei Áurea como uma dádiva concedida pela romântica figura da princesa Isabel, amparada pela ação apenas dos abolicionistas brancos e dos parlamentares da época. Essa imagem idealizada do 13 de maio produziu uma série de silêncios sobre as batalhas pela Abolição, marcada pela edição de jornais que reivindicavam o fim da escravidão, fugas coletivas, participação da classe trabalhadora organizada em associações, meetings abolicionistas, refregas nas ruas etc. Tentava-se, assim, desmobilizar os cenários, desqualificar os personagens, enfraquecer a força política e os desdobramentos da Abolição, remetendo a escravidão e os ex-escravos para um passado distante.

Foi assim que o 13 de maio entrou para o nosso calendário cívico. Em 1898, a comemoração dos primeiros dez anos da Abolição já tinha o caráter de feriado nacional, com atos cívicos e religiosos e com repartições públicas sem expediente. Em 1908, a data seria comemorada com salvas de tiros de navios de guerra e fortalezas militares foram especialmente embandeiradas. Aconteceu até um quase carnaval no Rio de Janeiro, organizado pelo Clube dos Fenianos. Em 1938, quando foram comemorados os 50 anos da Abolição, o presidente Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo, oficializou os festejos em todo o território nacional.

Abolição da escravidão: a igualdade que não veio II






















O relato de Hipólito Xavier Ribeiro, registrado mais de 40 anos após a assinatura da Lei Áurea, é um símbolo da memória construída no Brasil em torno da Abolição. Para as elites, a escravidão deveria aparecer como resquício de um passado a ser derrotado, distante, velho e quase nunca alcançado pela memória. Um passado, se não exótico, quase surreal, como o próprio negro Hipólito.

Por que essa tentativa de apagar o passado? Por um lado era preciso fazer vista grossa às promessas não cumpridas de indenização pelos escravos libertos feitas aos fazendeiros; por outro, era necessário colocar panos quentes nas expectativas de acesso à terra e autonomia nutridas pelos libertos e pela população negra em geral nas cidades e no interior. Numa carta enviada a familiares em Valença, em abril de 1889, uma tal Pequetita Barcelos já se referia ao 13 de maio como o “malfadado dia”, afirmando que os libertos preparavam “balas para os republicanos” e que só pensavam em “política e raça”. O contexto era o temor da Guarda Negra, da propaganda republicana e de uma suposta retaliação política. Enquanto a população negra adulta podia ser apelidada como os “libertos do13 de maio”, fazendeiros insatisfeitos eram chamados de “republicanos do 14 de maio”, ou seja, aqueles que aderiram à campanha republicana e se tornaram críticos ferrenhos da monarquia justamente após a Abolição imediata e sem indenização.

Hoje sabemos que o fim da escravidão em diversas partes das Américas foi acompanhado com interesse mútuo e apreensão em vários países do mundo. Pela documentação diplomática é possível avaliar as expectativas de agentes consulares em Paris, Londres, Nova York, Caracas, Havana, Liverpool, Baltimore, Washington, Buenos Aires, Serra Leoa, Lisboa e Madri. Orientado pelas autoridades do Império, os agentes brasileiros consumiam e acompanhavam todos os debates e todas as publicações. Freqüentemente eram enviadas cópias de leis sobre a melhoria do tratamento dos escravos no Caribe, Cuba e EUA, assim como recortes de jornais e avaliações sobre o que acontecia no estrangeiro. Olhar a situação do vizinho era fundamental.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Jean Baptiste Debret

















Jean Baptiste Debret (Paris, França 1768 - idem 1848) integra a Missão Artística Francesa, que vem ao Brasil em 1816. Instala-se no Rio de Janeiro e, a partir de 1817,torna-se professor de pintura em seu ateliê. Em 1818, realiza a decoração para a coroação de D. João VI, no Rio de Janeiro. De 1823 a 1831, é professor de pintura histórica na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, atividade que alterna com viagens para várias cidades do país, quando retrata tipos humanos, costumes e paisagens locais. Por volta de 1825, realiza gravuras a água-forte, que estão na Seção de Estampas da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Em 1829, organiza a Exposição da Classe de Pintura Histórica da Imperial Academia das Belas Artes, primeira exposição pública de arte no Brasil. Deixa o Brasil em 1831, retorna a Paris com o discípulo Porto Alegre. Entre 1834 e 1839, edita, em Paris, o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes, ilustrado com aquarelas e gravuras produzidas com base em seus estudos e observações.

JEAN BAPTISTE DEBRET: UM ARTISTA À SERVIÇO DA CORTE PORTUGUESA NO BRASIL

A primeira metade do século XIX nos permite relembrar, e com muita satisfação, da presença de grandes artistas franceses no Brasil. Tal circunstância deveu-se à intenção da própria Coroa portuguesa em trazer cultura para o país, na ocasião, recém ocupado pela nobreza há apenas 08 anos. Destacaremos, dentre os habilidosos "artistas-viajantes": Jean Baptiste Debret, que segundo a autora Valéria Lima, fora o mais requisitado e competente, naquilo que pretendia revelar por meio da arte.
O que pretendemos mostrar neste humilde artigo é o interesse, por parte dos expectadores, quanto à "realidade" inserida nas obras de Debret quando da sua "missão artística" aqui no Brasil. O artista francês foi "convocado" pelo Príncipe Regente de Portugal, D. João VI - em 1816 a retratar todos os momentos ilustres da monarquia.
Valéria Lima nos revela que Debret, em sua interessante obra: "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil", permite demonstrar importantes traços de sua própria identidade e personalidade, distanciando-se um pouco daquela idéia de apresentar "imagens fiéis" da escravidão negra no Brasil, e também sobre os "exóticos" momentos da monarquia lusa, instalada no Rio de Janeiro a partir de 1808. Debret sem dúvida, foi mais do que um pintor oficial da nobreza, também atuou com muita competência na fundação da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro, contribuindo como professor, cumprindo desta forma, outro desejo do Príncipe D. João VI.

Com o grande projeto Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Debret revela sua profunda relação pessoal e emocional, adquirida em sua permanência no Brasil por 15 anos. Em 1831 o pintor solicitou licença ao Conselho da Regência para retornar à França, alegando problemas de saúde. Dois motivos o levaram a tomar tal atitude: primeiro para juntar-se a sua família e segundo, tão importante para o artista quanto o primeiro, era organizar o primeiro volume de sua obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.

Valeria nos lembra bem que neste período o Brasil encontrava-se em processo de formação de sua própria história, inclusive como nação "independente".

Debret preocupou-se muito com os textos que acompanhavam suas imagens, demonstrando certa fidelidade ao sentido literário. Tal postura não era comum em outros "artistas - viajantes". Muitos pintores não se preocupavam demasiadamente com o sentido dos textos comparando-os com as ilustrações contidas em seus trabalhos.
Esse desejo, por parte do pintor em resgatar costumes e acontecimentos do passado brasileiro evidencia a importância de sua estada ao Brasil durante esses 15 anos. Muitos acreditam em não haver nenhum tipo de contribuição por parte do artista para história do Brasil.

A Formação de Debret

A formação cultural de Debret se desenvolveu em meio a conturbados momentos políticos da França revolucionária. O artista passou a fazer parte do grupo de pintores responsáveis pelas imagens de atos históricos e heróicos de Napoleão Bonaparte. As academias francesas de arte até este momento, preocupavam-se com o resgate da historia antiga, trazendo, desta forma, a intenção de elevar a moralidade social da época. Com a "intervenção" de Bonaparte, o cenário é alterado, pois os pintores agora teriam de se preocupar em revelar, com praticamente nenhuma liberdade, assuntos pertinentes à história contemporânea, da qual o próprio Imperador era protagonista.

É interessante notarmos que o cenário que antecedeu a vinda do pintor francês a terras brasileiras estava um tanto quanto conturbado. Não podemos esquecer que Napoleão praticamente expulsou a Coroa portuguesa, que na ocasião, fugira para o Brasil. Em 1808 D. João e mais 15 mil pessoas que acompanhavam a Corte, desembarcaram no Rio de Janeiro. Neste mesmo período, os portugueses estavam de relações políticas e sociais, completamente cortadas com os franceses. Diante desta dimensão, talvez seja oportuno perguntarmos, qual seria o objetivo, por parte dos portugueses, em trazer artistas franceses para prestar serviços à monarquia no Brasil. Podemos, no entanto, destacar alguns fatores correspondentes à questão: Segundo a autora, o próprio Debret, como mencionamos anteriormente, fez parte dos pintores "oficiais" designado a retratar momentos gloriosos de Napoleão Bonaparte. Por outro lado, não podemos deixar de mencionar a cultura italiana que, por muitos séculos, formou grandes artistas como Michelangelo, Leonardo Davinci, dentre tantos outros. A Itália dominou, de forma soberana, o cenário artístico até meados do século XVII.

Fonte: HistóriaNet - ClioHistória

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LIMA, Valéria - Uma Viagem com Debret, {coleção: Descobrindo o Brasil} Ed. Jorge Zahar, RJ - 2004.

Abolição da escravidão: a igualdade que não veio parte I

Há mais de um século, o dia 13 de maio marca a data da assinatura da lei que emancipou os escravos. A concessão da liberdade, porém, foi acompanhada de medidas que negaram a cidadania plena aos negros

por Flávio Gomes e Carlos Eduardo Moreira de Araújo






JEAN BAPTISTE DEBRET: UM ARTISTA À SERVIÇO DA CORTE PORTUGUESA NO BRASIL





No início de 1929, o periódico carioca O Jornal apresentava em suas páginas uma “preciosidade suburbana” de 114 anos: “Um preto velho, curvado sobre um cacete nodoso, typo impressionante, que raramente se vê em nossa capital”. O homem havia procurado aquela redação no intuito de pedir ajuda para comprar uma passagem para a Barra do Piraí, onde iria visitar seu neto, mas, diante do olhar de espanto dos jornalistas, decidiu sentar para conversar e contar suas histórias do tempo em que era escravo: “Eu nasci em São João del Rey, quando ainda estava no Brasil o sr. dom João, pai do primeiro imperador. Era molecote e pertencia ao sr. capitão Manoel Lopes de Siqueira”. Teria sido vendido para o coronel Ignácio Pereira Nunes, dono da fazenda da Cachoeira, em Paraíba do Sul. Ali labutava quando estourou a Revolução Liberal de 1842 (ver glossário). Trabalhava tanto na lavoura como nas tropas que cruzavam o vale do Paraíba despejando café no porto do Rio de Janeiro.

O ex-escravo chamava-se Hipólito Xavier Ribeiro e era morador do morro da Cachoeirinha, na serra dos Pretos Forros (localizada entre os atuais bairros de Lins de Vasconcelos e Cabuçu, na zona norte do Rio de Janeiro). Ao longo de sua vida testemunhou importantes acontecimentos da história do Brasil, entre os quais a Guerra do Paraguai, da qual participou: “Quando o imperador mandou chamar os moços brancos para servir na tropa de linha, nunca vi tanto rancho em biboca da serra, tanto rapaz fino barbudo que nem bicho escondido no mato... O recrutamento esquentou a cada fazendeiro. Para segurar o filho, agarrando a saia da mamãe, entregava os escravos. Entregava chorando porque um negro naquele tempo dava dinheiro. Eu fui num corpo de voluntários quase no fim da guerra, mas ainda entrei em combate em Mato Grosso”.

Terminado o conflito, Hipólito presenciaria outro fato marcante de nossa história: a abolição da escravidão, com a assinatura da Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888. Ele ainda se lembrava bem dos festejos – “um batuque barulhento, sapateado de pé no chão, um cateretê daqueles, correu de dia e de noite” – mas a recapitulação do passado foi interrompida pela dura realidade do presente. Quando já havia reunido uma platéia na redação que ouvia atentamente as suas histórias, o antigo escravo decretou:

“Se eu fosse contar tudo o que sei... não acabava hoje”. Queria mesmo era ajuda para comprar a passagem, pois “o tempo de hoje está pior do que o tempo do imposto do vintém (ver glossário)” e “cadê dinheiro?”, e “a pé não chego lá, de trem não posso ir”. E foi-se embora. Um dos jornalistas que ouviu o relato descreveu o velho negro em sua crônica: “Não obstante a sua idade avançada, apresenta aspecto sadio. É um preto alto, espadaúdo, ainda com esforço consegue se empertigar com entusiasmo. Fala com pausa, como a inquirir o pensamento”.










Flávio Gomes e Carlos Eduardo Moreira de Araújo são historiadores. FLÁVIO GOMES é professor do Departamento de História da UFRJ. Organizou o volume Quase-cidadão – História e antropologia do pós-emancipação no Brasil (Fundação Getúlio Vargas, 2007) e escreveu A hidra e os pântanos – Mocambos e quilombos no Brasil escravista/i (Editora da Umesp, 2005), entre outros livros. CARLOS EDUARDO MOREIRA DE ARAÚJO é doutorando em história social pela Unicamp e um dos autores de Cidades negras – Africanos e crioulos no Brasil escravista (Alameda, 2006).

Platão e o Cristianismo






























BERRUGUETE, Pedro
Plato
c. 1477
Wood, 101 x 69 cm
Musée du Louvre, Paris





[...]Essa abordagem, desenvolvida por Platão com grande riqueza ao longo de uma vasta área de temas, resultou numa visão da realidade total como dividida entre dois reinos. Um é o mundo visível, o mundo como se apresenta a nossos sentidos, nosso mundo diário habitual, onde nada dura e nada permanece o mesmo - como Platão gostava de dizer, tudo neste mundo está sempre se tornanado outra coisas, mas nada nunca é de forma permanente.(Essa fórmula foi abreviada em "tudo está se tornando nada é". )
Tudo vem a existir e sdesaparece, tudo é imperfeito, tudo decai. esse mundo de espaço e tempo é o único que nosso aparelho sensorial humano pode apreender. Mas há também outro reino que não está no espaço ou no tempo e no qual existe permanência e ordem perfeita.Este outro mundo é a realidade atemporal, e imutável da qual nosso mundo diário os oferece apenas breves e insatisfatórios lampejos. Mas ele é que devemos chamar de realidade real pois só ele é estável, inabalável - somente ele é, e não está sempre mo processo de transformar-se em outra coisa.
As implicações da ecxistência desses dois reinos são as mesmas para nós, seres humanos, considerando como objetos, como para tudo o mais.[...]


'TUDO ESTÁ SE TORNANDO NADA É'



Magee,Bryan História da filosia