quarta-feira, 16 de junho de 2010

História da Beleza

Isto É / Data: 22/12/2004
Espelho de Adônis
Fartamente ilustrado, a História da beleza mostra como os ideais estéticos evoluíram

































LEONARDO da Vinci
Portrait of Cecilia Gallerani (Lady with an Ermine)
1483-90
Oil on wood, 54,8 x 40,3 cm
Czartoryski Museum, Cracow




Luiz Chagas

Nos anos 1960, o nome do escritor e professor italiano Umberto Eco esteve associado ao ensino de semiologia e estética que disseminava em livros como Obra aberta e A estrutura ausente, cartilhas obrigatórias dos nascentes cursos de comunicação. Duas décadas depois, o romance O nome da Rosa, recheado de elucubrações sobre a escrita simbólica, alçou-o à categoria de best-seller devido à trama policialesca nos moldes de um 007 medieval. Apesar do apelo, dada a aridez dos assuntos e o volume de sua prosa, os livros de Eco foram sendo cada vez mais comprados e menos lidos. Caso de O pêndulo de Foucault e Baudolino. Lançado em 2004, o luxuoso História da beleza – organização de Umberto Eco (Record, 440 págs.), com 17 capítulos prefaciados pelo professor da Universidade de Bolonha, nove escritos por ele e o restante por Girolamo de Michelle, não é o tipo de livro que ficará confinado às estantes. O tom professoral, porém simpático, aliado à profusão de ilustrações, que vão de figuras pré-históricas às cobiçadas imagens dos calendários da Pirelli, lhe garante um lugar na mesa da sala.

Eco abre sua obra com quadros comparativos, a exemplo do que fizera o artista plástico inglês radicado nos Estados Unidos David Hockney, em O conhecimento secreto. Enquanto este procura provar que a evolução da pintura está ligada aos avanços tecnológicos, Eco demonstra como as diferentes concepções de beleza evoluem e se repetem em diferentes épocas, nas mais diversas áreas e regiões. Nos 11 quadros explica-se, por exemplo, a mudança da visão que se tem do homem e da mulher nos mitos lendários Vênus e Adônis – representados nus ou vestidos, com seus rostos e cabeleira detalhados – aos mitos da comunicação, como Monica Bellucci e Arnold Schwarzenegger. Da mesma forma registra as variações observadas nas imagens do rei e da rainha, do busto do faraó Aquenaton, do século IV a.C., a John Kennedy ou Giovanni Agnelli, e de Nefertite a Lady Di. Assim como as representações de Nossa Senhora e Jesus Cristo, do mosaico A natividade, anônimo do século XII, a uma foto recente da cantora Madonna, e das figuras pintadas nas igrejas ao rosto ensanguentado de Jim Caviezel no filme de Mel Gibson.

Os textos, abertos pelo capítulo O ideal estético da Grécia Antiga e encerrados por A beleza da mídia, são pontuados por trechos de obras célebres de filósofos e estetas de todas as eras, referências que “conversam” entre si e com as obras reproduzidas. Diante do leitor desfilam Eurípedes, Jagger, Picasso, Kant, Warhol, Nietzsche, Marilyn, Kafka, Barthes, Brando, Rimbaud, Garbo ou Shakespeare. Umberto Eco apela para sua aparentemente inesgotável erudição para tecer este magnífico exemplar.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Historia Da Feiura

Historia Da Feiura

Organizador: ECO, UMBERTO
Editora: RECORD
Assunto: ARTES - TEORIA E HISTÓRIA


Passei em uma livraria e vi (dei uma folheada basica..)rs
Mara!!






























O Estado de S. Paulo / Data: 24/11/2007
A sedução da feiúra segundo Eco
Em novo livro, o autor de O Nome da Rosa conta a história do grotesco e do repugnante no Ocidente

Antonio Gonçalves Filho

Todo mundo ama o belo, a ponto de estudos acadêmicos sobre o feio serem raros. E, embora os filósofos tentem há séculos uma explicação para os dois, o feio sempre foi definido em oposição ao belo, admite o escritor italiano Umberto Eco. Sua História da Beleza, que ele contou há quatro anos, é a prova mais evidente que até mesmo o semiólogo se preocupou antes com o belo, a ponto de só agora lançar sua contrapartida, A História da Feiúra (Editora Record). Desde que o filósofo alemão Karl Rosenkranz publicou, em 1853, seu tratado sobre o assunto, poucos estudiosos - Adorno e Longhi, entre eles - ousaram colocar em discussão obras que trataram do repelente, do horroroso, do grotesco, do imundo e repugnante. Eco já abre com a imagem de uma picassiana mulher cubista chorando. Primeira pergunta: o que aconteceria se um viajante de outro planeta caísse numa galeria de arte e visse pessoas elogiando a 'beleza' daquela mulher retalhada?

Provavelmente, o tal extraterrestre pensaria que os homens consideram belas e desejáveis criaturas com dois narizes, como a mulher de Picasso. Mas poderia corrigir sua opinião num desfile de Gisele Bündchen. Veria aí celebrado outro modelo de beleza. Mas nós, simples mortais, argumenta Eco, que só temos o testemunho artístico de outros tempos, não podemos fazer verificações desse tipo. Eco limita-se, portanto, a registrar a trajetória desses dois valores na civilização ocidental. E já é muito. Olhos e cabeça agradecem. O leitor não vira página sem topar com um exemplo que ilustre o que diz o escritor sobre 'feios' criados por artistas distantes tanto no tempo como em suas concepções estéticas, dos Cristos flagelados de Mestre Teodorico (século 14) às crianças enforcadas do contemporâneo Maurizio Cattelan.

Eco segue um pouco os passos do hegeliano Rosenkranz, que traçou uma analogia entre o feio e o mal moral, retomando a idéia de que o feio é um possível erro que o belo contém em si. Mas seria possível pronunciar um juízo estético de feiúra? Eco escapa pela porta de emergência. Segundo o italiano, deve-se distinguir as manifestações do feio em si (um excremento, por exemplo) do feio formal, definido por ele como 'desequilíbrio na relação orgânica entre as partes de um todo'. Traduzindo em miúdos: alguém sem um ou mais dentes seria feio. Menos mal. Em outras épocas, lembra Eco, uma banguela ou uma velha com verrugas seriam atiradas ao fogo por gente supersticiosa, que nelas veriam bruxas sem dar a mínima bola para o que dizia santo Agostinho a respeito. Lembra Eco que, para o autor de Confissões, mal e feio não existem no plano divino. Antes da corrupção (falta de dentes incluída) havia valor positivo nessas 'bruxas'. 'Se a privação de valor fosse total, a coisa deixaria de existir', defende. 'Portanto, o mal e a feiúra não podem existir, pois seriam um absoluto nada', argumenta Eco. Bonito de dizer, difícil de engolir.

As representações do sacrifício cristão, assim como a iconografia demoníaca disputam espaço nas quase 500 páginas de um livro luxuoso, impresso na Itália. O feio sob a forma do terrificante e do diabólico, afinal, segundo Eco, 'faz seu ingresso no mundo cristão com o Apocalipse de João'. Não que faltassem demônios no Antigo Testamento, mas o diabo não aparece com a 'evidência somática' com que será representado na Idade Média. O livro compara as visões de João a um 'disaster movie' hollywoodiano. Pior. Culpa Hollywood por ter legitimado um padrão de beleza que condena ao inferno da feiúra tudo o que não seja ariano. Por causa de Hollywood, o belo passou a ser bom e o feio mau. O mocinho de olhos azuis sempre tinha lá suas razões para matar um índio de pele vermelha e cara de poucos amigos.

Às vezes, o tiro sai pela culatra. Muitos séculos antes de Hollywood, enquanto tinha início a reforma protestante, Hieronymus Bosch tentou mostrar como eram feios os demônios que tentaram santo Antônio. Como não eram diabos da tradição, acabaram vistos como criaturas carnavalescas, insinuantes e divertidas. Feio, afinal, virava atraente. Os vícios sociais que Bosch pretendeu denunciar por meio de demoníacas e monstruosas figuras tornaram-se virtudes estéticas. Como o argentino Jorge Luis Borges, que tem sua obra completa agora relançada no Brasil, Umberto Eco não consegue esconder sua atração por monstros e prodígios, mesmo que eles tenham sido vistos pelo mundo clássico como signos da desgraça iminente. Tentando entender o fascínio que os monges medievais tinham por esses demônios que habitavam as margens de páginas iluminadas (os chamados 'marginalia'), o semiólogo entra nesse bestiário e demonstra que o mundo cristão usou esses monstros para definir a Divindade (falando de Deus por negação, pelo o que não é).

Como se vê (e se lê), Eco circula por várias disciplinas - filosofia, religião, sociologia, antropologia, literatura - com a desenvoltura de um monge erudito de O Nome da Rosa. Ao analisar as relações entre o feio, o cômico e o obsceno, no quinto capítulo, recorre a Montaigne e a Bakhtin para descobrir, por exemplo, por que os órgãos sexuais, embora excitantes, nunca são considerados belos ou por que, na reviravolta renascentista, a aceitação do grotesco e do disforme resgatou do limbo mitológico clássico figuras caricaturais condenadas. Como Victor Hugo, Eco também acha que a modernidade, o modo de encarar o belo em oposição ao ideal clássico helenístico, nasce com o cristianismo. Mas o feio que Hugo via como típico da nova estética de seu tempo era o grotesco. Hugo gostava de simetria. Já Eco, como todo contemporâneo, desconfia dela. Ele faz dele as palavras de Jung, de que o feio de hoje é sinal e indício de grandes transformações por vir.

Os últimos capítulos de seu livro são dedicados ao confronto do ideal grego de beleza com os manifestos surrealistas e expressionistas - dois movimentos artísticos em que a idéia de feiúra é explorada ao extremo. Eco não está sozinho na última discussão. Recolhe textos de Bataille, Breton e Tzara para confirmar sua suspeita de que a obra de arte não deve ser a beleza em si, pois esta já está morta. O nojo dadaísta pela beleza chega hoje aos filmes de horror de George Romero e ao visual pós-punk de Marilyn Manson, retratado no capítulo final. Na vida cotidiana, argumenta Eco, vemos espetáculos ainda mais horríveis, de crianças que morrem de fome a corpos mutilados em guerras étnicas. Compreendemos, então, por que a arte tem insistido tanto em representar o feio. Seu livro convida à compreensão da deformidade. E usa como parábola um conto de Italo Calvino sobre um abrigo de doentes incuráveis que votam como outros cidadãos, guiados pela vontade de quem os assiste. E conclui com um apelo à piedade: feio é ignorar os feios.