domingo, 1 de agosto de 2010

A arte e sua relação com o espaço público















Igreja São Benedito sd republica




Hoje, dentro das mais diversas comunidades deste país, produzimos conhecimento sobre arte, construímos escolas de arte e nos organizamos em grupos que atuam realizando exposições e desenvolvendo uma imensa gama de atividades relacionadas com a arte. Todo esse processo alimenta-se de um vasto conhecimento acumulado, uma série de práticas, conceitos e visões acerca do que seja arte, do valor estético de determinadas produções artísticas, entre outros aspectos que cuidamos em transmitir para os alunos. Porém, é curioso notar que aquilo que mais interessa na arte não é o que já temos na conta de algo consolidado, mas, ao contrário, é o que ela carrega e promove de incerteza, de estranhamento. No campo da arte, isso não só é natural, como também é o motor dela mesma, e é um erro que isso não seja encarado desse modo!



Assim, na qualidade de professor, procuro o tempo todo transmitir ao aluno que as formulações apresentadas são formulações, e não verdades absolutas. Alerto-os para o fato de que será sempre preciso deixar espaço para outra leitura, aquela leitura que não possuo. Naturalmente, é preciso também esclarecer que toda a produção artística, assim como qualquer objeto produzido pelo homem, está inscrita na história. Portanto, também não é o caso de se pensar que não haja objetividade possível no discurso sobre arte. É necessário que o aluno saiba da genealogia, por exemplo, de uma obra qualquer que se resolva analisar, como também é fundamental que ele seja informado do campo de referências teóricas utilizadas na abordagem dessa mesma obra. É dever do professor, quando fala, comenta ou julga alguma coisa, apresentar o lugar teórico de onde ele fala, comenta e julga. Dito de uma outra maneira, é dever do professor jamais esquecer aqueles dois versos do Fernando Pessoa: O que em mim sente está pensando e Não sou eu quem descrevo, eu sou a tela e oculta mão colore alguém em mim. Essa posição parece-me essencial para a formação de alunos abertos a novas possibilidades e que se sintam à vontade para pensar novas relações. (...)



O que importa é despertar o aluno para essa riqueza que o mundo tem e para a riqueza que pode ter a relação dele com o mundo. Nesse sentido, a cidade é o maior exercício que temos. Na cidade, há uma proliferação de matérias. É uma memória ao mesmo tempo individual e coletiva porque os espaços falam de nós. (...)



A arte é, talvez, a última possibilidade deste mundo tão opaco. E está rigorosamente nas mãos de quem trabalha com educação fazer com que os alunos que estão se formando percebam a infinidade de coisas que compõem o mundo. Entendê-lo como sendo um elenco de imagens gloriosas que a nossa expressão produziu é pouco. O mundo é mais do que isso. Se tivermos o quadro, será perfeito, maravilhoso, mas uma fotocópia já serve. Temos – e podemos – conjugar esse esforço em fazê-los saber a história da arte com uma visita àquilo que é próximo deles, deixando e estimulando que dentro de cada um deles aflorem elementos como a evocação, a imaginação, a nostalgia, a memória. Assim, quando você pedir para um aluno que olhe para o mundo, que escolha um fragmento daquilo que interessa da sua cidade e da sua experiência nela, ele certamente irá eleger alguma coisa. O que é o mesmo que dizer que ele irá se escolher dentro das coisas que, em última análise, existem porque fazem sentido para ele. Ele vai se reencontrar no mundo.



O problema é que, quando estamos na cidade, temos objetivos. Vamos de um ponto a outro e não percebemos o que há no meio do caminho. Essa é a diferença da arte com relação ao resto, assim como da dança para a caminhada. Na caminhada, o objetivo é chegar a determinado ponto; na dança, é o corpo por ele só, com tudo o que pode oferecer, é uma certa ociosidade. E é fundamental para que você possa redescobrir o próprio corpo. (...) É esse livre pensar. É esse saber desinteressado. É essa capacidade de se abstrair, de focar a atenção numa coisa que se resolve ali mesmo. Não tem aquela razão pragmática de quem contempla o mundo com a intenção de buscar algo que está além dele.



FARIAS, Agnaldo. A arte e sua relação com o espaço público. In: Portal da Educação Pública [http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educação_artistica/0002.html]. Acesso em 19/12/2009

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