quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

LUÍS XVI


















Por Daniel Fresnot

Luís XVI foi um chaveiro amador, tímido, míope, por demais influenciável e irresoluto, Eu poderia começar com esta frase o retrato do rei, mas estaria enganando o leitor, mesmo sendo verdade que o seu passatempo favorito era desmontar fechaduras, Ao privilegiar esta descrição estaria induzindo ao erro e a caricatura. Luís de XVI foi na verdade um rei bem-intencionado e mal-aconselhado.
Casou aos 16 anos com Maria Antonieta e recebeu a coroa com 20 anos em 1774. Imediatamente atende aos anseios dos reformadores e quase desmente a frase atribuída a seu recém-falecido avô Luís XV: Depois de mim, o dilúvio! "O jovem rei chama um ministro que quer abolir privilégios e servidões: Turgot, homem íntegro e competente e, fato pouco conhecido, um precursor de Ricardo e da ciência econômica liberal moderna, Mas Turgot está mexendo com algumas mordomias da corte, os nobres conservadores e o partido clerical.
Intrigam para que ele perca a confiança do rei. E conseguem; Luís dispensa Turgot com menos de dois anos no ministério. A corte não sabe que ao recusar o anel vai perder o dedo ou a cabeça.
O rei da França nomeia outro ministro de progresso, o banqueiro protestante Necker, homem muito popular junto ao que chamaríamos hoje de sociedade civil. Necker também quer reformas, embora mais tímidas que as de Turgot e esbarra na facção reacionária da corte de Versalhes. Ao demitir Necker (1781), o rei perde o apoio daqueles que mantinham esperanças em mudanças vindas de cima.
Os ministros seguintes, Calonne e por fim Brienne, não têm a estatura dos primeiros nem incomodam a corte com seus gastos e regalias faraônicos. No entanto, Luís XVI tomou antes de 1789 medidas humanistas como a abolição da tortura e plenos direitos civis aos protestantes, Também realçou o prestígio externo da França com a ajuda militar aos revolucionários norte-americanos. A Inglaterra foi derrotada na terra e no mar e alguns nobres chegaram a brincar de dar nomes franceses às ruas de Londres, que seria facilmente tomada, Mas no governo de Brienne aparece a dura realidade: não há mais dinheiro nos cofres reais, somente dívidas.
Já disseram que a Revolução Francesa foi a vitória da nobreza de toga sobre a nobreza de espada e isto é fato pelo menos no início. Os advogados, magistrados, membros dos parlamentos municipais estão em conflito aberto com o poder do monarca.
Para obter mais impostos e desarmar o descontentamento, Luís XVI chama de volta Necker (1788) e promete convocar os famosos Estados Gerais, uma medida que a monarquia francesa não tomava há dois séculos. Os Estados Gerais são a reunião das três ordens ou Estados (hoje diríamos classes) da sociedade desde a Idade Média: o nobre que luta, o clero que reza e o camponês (Terceiro Estado) que trabalha. Luís XVI reconquista a popularidade decretando que o Terceiro Estado terá tantos representantes (400) quanto o clero e a nobreza juntos, Mas não sabe aproveitar a situação para orientar as eleições e nem propor aos deputados algum programa de reformas.
Em 1789, com a reunião dos Estados Gerais começa a Revolução Francesa e Luís XVI fica logo ultrapassado pela importância dos eventos. Quer esvaziar os Estados Gerais pela falta de assunto e medidas a tomar, mas é tarde demais, os deputados já tomaram consciência de sua força e se autoproclamam Assembléia Nacional e logo depois Constituinte. Necker é demitido numa inútil provocação aos parisienses que tomam a Bastilha e descobrem 50 mil fuzis no prédio dos Inválidos, Apesar das jornadas "revolucionárias, o rei ainda é popular em Paris, mas ele vai de maneira quase constante prejudicar ou embaraçar seus partidários e favorecer seus inimigos mais radicais. Um punhado de nobres ligados à rainha vai levá-lo a querer adotar a política do pior.
O rei recusa assinar a Declaração dos Direitos do Homem e demais medidas da Assembléia. Uma multidão de parisienses revoltados o traz semiprisioneiro de Versalhes a Paris em outubro de 1789. Entretanto, Luís ainda tem muitos trunfos: a grande maioria dos revolucionários quer manter a monarquia como poder moderador. Mirabeau e La Fayette são seus aliados. No primeiro aniversário do dia 14 de julho, o rei jura fidelidade à nova Constituição e é aclamado pelos parisienses e pelos guardas nacionais enviados para a cerimônia de todos os cantos da França. Luís cometeu o erro de não se conformar com a monarquia constitucional e a sua consciência parece ter sido perturbada pela questão do juramento civil que a Revolução exige dos padres. A sua esperança agora é a repressão de seu próprio povo pelos reis estrangeiros. Ele vai tentar fugir até os exércitos monarquistas franceses e austríacos para voltar com eles ao poder: é a desastrada fuga de Varennes (junho de 1791), quando um taberneiro e um empregado dos correios reconhecem e prendem o rei da França. Luís XVI perdeu definitivamente sua popularidade. Mas ainda é rei. Muitos membros da Assembléia querem manter o monarca como símbolo e contra as tendências igualitárias mais radicais. E mais uma vez o rei vai conspirar contra seus próprios interesses.
Ele propõe à Assembléia a declaraçã de guerra á Áustria (abril de 1792) com a esperança de ver os revolucionários derrotados. A Prússia se junta à Àustria e a guerra começa como o previsto, com derrotas para os franceses. Mas a história muda em Valmy, a grande vitória da liberdade sobre a qual profetiza Goethe: "Hoje começa uma nova época para o mundo".E o rei dos franceses já é considerado um traidor, o cúmplice dos inimigos da Pátria, destituído e prisioneiro em Paris.
A Assembléia Legislativa dá lugar à Convenção mais radical que julga o cidadão Luís Capeto e o condena à morte por uma estreita maioria. Luís impressionou pela dignidade e coragem, mas não convenceu ao negar as acusações sistematicamente. Até o último camponês dos confins da Rússia ficará sabendo: os franceses guilhotinaram o seu rei. A monarquia baseada na vontade divina tem os dias contados, vai prevalecer a vontade popular.


DANIEL FRESNOT é doutor em letras pela Sobornne. No Brasil, onde reside, iniciou uma dupla carreira de industrial e escritor. É autor do romance "A Terceira Expedição"

Este texto pertence à edição comemorativa dos 200 anos da Revolução Francesa, publicado pela Revista Isto É, em 1989

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