sexta-feira, 14 de maio de 2010

Abolição da escravidão: a igualdade que não veio II






















O relato de Hipólito Xavier Ribeiro, registrado mais de 40 anos após a assinatura da Lei Áurea, é um símbolo da memória construída no Brasil em torno da Abolição. Para as elites, a escravidão deveria aparecer como resquício de um passado a ser derrotado, distante, velho e quase nunca alcançado pela memória. Um passado, se não exótico, quase surreal, como o próprio negro Hipólito.

Por que essa tentativa de apagar o passado? Por um lado era preciso fazer vista grossa às promessas não cumpridas de indenização pelos escravos libertos feitas aos fazendeiros; por outro, era necessário colocar panos quentes nas expectativas de acesso à terra e autonomia nutridas pelos libertos e pela população negra em geral nas cidades e no interior. Numa carta enviada a familiares em Valença, em abril de 1889, uma tal Pequetita Barcelos já se referia ao 13 de maio como o “malfadado dia”, afirmando que os libertos preparavam “balas para os republicanos” e que só pensavam em “política e raça”. O contexto era o temor da Guarda Negra, da propaganda republicana e de uma suposta retaliação política. Enquanto a população negra adulta podia ser apelidada como os “libertos do13 de maio”, fazendeiros insatisfeitos eram chamados de “republicanos do 14 de maio”, ou seja, aqueles que aderiram à campanha republicana e se tornaram críticos ferrenhos da monarquia justamente após a Abolição imediata e sem indenização.

Hoje sabemos que o fim da escravidão em diversas partes das Américas foi acompanhado com interesse mútuo e apreensão em vários países do mundo. Pela documentação diplomática é possível avaliar as expectativas de agentes consulares em Paris, Londres, Nova York, Caracas, Havana, Liverpool, Baltimore, Washington, Buenos Aires, Serra Leoa, Lisboa e Madri. Orientado pelas autoridades do Império, os agentes brasileiros consumiam e acompanhavam todos os debates e todas as publicações. Freqüentemente eram enviadas cópias de leis sobre a melhoria do tratamento dos escravos no Caribe, Cuba e EUA, assim como recortes de jornais e avaliações sobre o que acontecia no estrangeiro. Olhar a situação do vizinho era fundamental.

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